Uma game jam e detalhes tão grandes de nós dois

Imagem de capa do jogo fictício Fire of Rebellion


Eu já escrevi aqui no meu blog sobre como eu venho mudando o estilo de escrita ao longo dos anos. Quando eu comecei a levar isso mais a sério, lá em 2011 (10 anos!), minha ideia de história imersiva de sucesso vinha de uma referência só: Senhor dos Anéis.

Assim como qualquer artista, escritor, ilustrador, eu segui o mesmo processo de copiar para então me apropriar, para então moldar e, então (entãos propositais por estilo), criar minha própria voz.

E eu acho que depois de 10 anos eu finalmente estou achando. Foi a conclusão que cheguei no post do link ali de cima. Mas, recentemente, eu tive mais uma experiência afirmativa disso e queria falar um pouco desse processo.

Vão-se os anéis, ficam os dedos

Antes de começar, vale só dizer que estou falando de estilo no sentido de maneira que gosto de escrever, não que ela seja pior ou melhor que qualquer outra. Num mundo em que alguém chega em uma submissão de obra e diz que "acho que nesse sentido meu livro é até melhor que Tolkien" (sim, eu já vi isso por aí), acho que vale deixar registrado.

Senhor dos Anéis foi minha primeira e uma baita referência. E foi dela que eu tirei a ideia inicial de que, para eu ter um trabalho rico que as pessoas gostassem e discutissem, eu tinha que fazer igual.

Ah, o Guilherme prolixo! Descrevendo arquitetura e natureza como se soubesse alguma coisa das duas. Por muito tempo, eu tive certeza que esse era o melhor caminho para mim. Eu só não tinha percebido ainda que todo adolescente/ jovem adulto branco, homem e querendo ser escritor estava pensando na mesmíssima coisa.

O gênero de fantasia é traiçoeiro nesse sentido. Existe uma noção muito forte dentro dele: de que a forma cria o gênero, não o conteúdo. Mas não é porque Tolkien escrevia o mundo dele daquele jeito que todos os mundos podem ser tolkienformados igual.

A primeira vez que percebi isso foi em outra série de fantasia que já comentei aqui: Dark Souls. Foi quando fui apresentado a um conceito completamente diferente de fantasia, em que o leitor/ espectador/ jogador se torna quase um arqueólogo daquele mundo.

Uma ideia de que, veja só você, o escritor não precisa apresentar cada elemento de uma cena para que esta esteja viva na mente da pessoa. Muitos escritores acham que têm mais imaginação que o leitor — algo que acompanha muito uma imagem elitista do papel do contador de história atualmente.

Eu já caí muito nessa auto-armadilha, mas foi exatamente quando comecei a perceber que talvez o jeito mais conhecido não seja o meu. É o momento em que o escritor passa a desenvolver a própria voz. E que descobre que um gênero pode ser infinito, por mais que os sommeliers de "elfo não se apaixona por anão" estejam sempre de plantão.

Escopo não é coisa só de coach

Escopo é uma palavra muito na moda hoje em dia. É daquelas que parece bonito de falar e que funciona até quando ela não é exatamente o que a pessoa quer dizer.

Se eu fosse um coach, eu diria que escopo é tudo. Olha que afirmação bonita, contundente, confiante. Não quer dizer nada e quer dizer tudo ao mesmo tempo. Perfeito para começar meu curso duvidoso de escrita no futuro.

Piadas à parte, eu venho pensando muito sobre o escopo do que eu escrevo. Principalmente, de como é impossível eu pensar hoje em uma grande saga de livros, de mil páginas cada, quando eu não tenho qualquer contrato com editora, não tenho muito tempo disponível e nem sei se tenho a motivação para ir tão longe.

Tolkien fez Senhor dos Anéis com um contrato firmado de publicação. Ele se dedicou inteiramente a isso. E ele era incontestavelmente melhor do que eu, em níveis absurdos de magnitude — imagina então o quanto eu sou ruim comparado ao sujeito que falou que era melhor que ele.

Além de todas essas questões, eu já aceitei que esse não é meu estilo. Então não tenho nem como colocar parâmetros de comparação (e nem deveria, eu não sei por que estou entrando nessa, o assunto nem é Tolkien. Guilherme, foco).

Enfim, o que quero dizer é que eu achava que já tinha entendido tudo sobre escopo, até participar de uma game jam.

Se o todo é menor, a parte é maior

Recentemente o Jogabilidade fez uma live em comemoração de 10 anos do projeto. E, entre as atividades estava uma game jam aberta para quem quisesse participar sozinho ou em grupo.

Uma game jam é uma dinâmica que propõe a criação de um jogo em um curto período de tempo. Lembra muito, nesse sentido, os exercícios de escrita criativa: um prazo, um tema e se vira. Um dos temas veio de uma piada interna dos integrantes, mas a ideia era criar um jogo baseado em uma franquia fictícia que seria um clássico do gênero de RPG.

Eu não sei programar uma linha de código, mas pensei que o Twine seria a opção perfeita. Dava para criar uma ficção interativa, mesmo não sendo um jogo de fato, e explorar essa ideia de fantasia medieval curta como um laboratório.

O resultado, óbvio, não foi nada demais. Eu demorei exatos 8 dias para terminar, mais ou menos 4 mil palavras, então não dava para esperar muito.

Tela do jogo fictício Fire of Rebellion


Mas eu gostei de sentir na pele o que todo mundo fala que sente em game jams e outras gincanas do tipo: um intensivo de reduzir escopo. Quando comecei a pensar no que faria, eu tinha uma história maior, com mais personagens e elementos. Tinha puzzles que eu criaria para fazer o jogador parar para pensar e teria vários diálogos com ramificações baseadas em escolhas.

Logo no primeiro dia, eu percebi que não seria possível fazer muitas dessas coisas, por razões técnicas ou por falta de tempo. A história teria que ser limada em tantos elementos que nem valia a pena tentar. Naquela primeira noite, eu fui dormir desistido do projeto.

Foi uma noite longa.

Horas rolando de um lado para o outro, em vez de dormir, lá estava eu pensando nos cortes que teriam que ser feitos. A frustração foi se transformando em empolgação porque eu já tinha passado por isso em Sempre a Oeste e já tinha gostado muito desse processo. Eu estava reduzindo o escopo e, ao mesmo tempo, percebia que as partes que ficavam ganhavam mais importância.

No Masterchef, diriam que eu estava colocando a acidez que eleva o prato. Ou que menos é mais. Ou que FALTAM 15 MINUTOS e eu tinha que reservar tempo para empratar meu jogo.

Desculpa, eu acabei de ver Masterchef.

Esse processo é tão legal porque você vai percebendo que, o que seria um detalhe na história maior, torna-se um elemento importante na história menor. Pequenas histórias, grandes detalhes

No dia seguinte, comecei a produzir o texto e as imagens e as coisas foram se encaixando. Não foi um processo bonito como está parecendo. Eu ainda tive que brigar muito com meu escopo nos dias que se seguiram e passei boa parte desse tempo odiando o que estava fazendo.

No fim, eu terminei com uma história que era muito mais seu envelope do que seu conteúdo. Por incrível que pareça, não foi um problema para mim.

Claro, não é nada demais, eu tenho consciência disso. São muitos poucos elementos em muito pouco tempo. Mas o que mais me deixou feliz foi ver que eu sou capaz de trabalhar mais no estilo que eu gosto de escrever. Ser mais flexível com gêneros e formatos.

Por isso eu gosto de dizer que as pessoas sempre precisam ter um projeto pessoal rolando. Mesmo que seja minúsculo em escopo ou muito esticado em prazo. Não há cobrança, não há regras, apenas experiência.

Eu me senti como o Guilherme de 12 anos que ganhou um kit de química daqueles para crianças. Isso não me ajudou em nada como estudante ou profissional, mas me proporcionou aquele sentimento tão incrível de misturar umas coisas e ver o que acontece.




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