O dia em que escrevi a história de Control (mais ou menos isso)

Imagem do jogo Control

Pode conter spoilers de Control

Se tem uma coisa que nosso cérebro adora é completar uma linha. Ver uma imagem na nuvem. Ver dois “i’s” com pingos e querer matar quem não pingou o terceiro.

Isso tem uma razão perfeitamente científica de ser, mas eu não estou aqui para isso. Eu não sei bem explicar as coisas como elas acontecem, é por isso que prefiro falar do que eu sinto jogando um jogo e não do jogo em si.

Essa é a muleta da minha ignorância.

Mas eu não vim falar mal de mim mesmo, tá? Isso eu faço na frente do espelho todas as manhãs. Eu vim despejar um pouco do que senti jogando Control. E, olha, ele me fez sentir muito desse negócio de sentimento.

Mas tem um ponto que queria especialmente falar. Algo que tenho visto com mais frequência ultimamente e eu adoro quando é bem feito. Quero conversar comigo mesmo e com você sobre o prazer de preencher lacunas.

Quando o espectador/leitor é convidado a fazer parte da história

A primeira vez em que me lembro de ter qualquer poder de ação em uma história foi naqueles livros de faça sua própria aventura. Eu era criança ainda e minha cabeça não conseguia conceber o fato de que era eu mesmo montando aquela narrativa. Como um editor mirim. Como um espião infantil na Disney. Com poder e responsabilidade sobre minhas escolhas.

Não demorou muito tempo para isso virar fichinha perto das maravilhas dos jogos eletrônicos interativos. Construção de personagens, árvores de diálogos, consequências e reações do mundo a minha volta. A plataforma sempre foi muito boa para me fazer sentir diretor daquela história.

Mas eu era realmente um participante nela? Claro que não. Eu faço escolhas dentro das opções disponíveis. Eu apenas giro uma chave e vejo o que estava atrás daquela porta. São jogos ótimos, livros ótimos, mas eu sempre sentia falta de um pouquinho mais de liberdade para a minha imaginação.

O prazer de ir atrás da história

Acho que, como muita gente, a época em que a série Lost era televisionada foi um momento de descoberta. Uma época em que eu mesmo descobri que às vezes é muito mais divertido especular sobre uma história do que realmente vê-la ser concluída.

Quando existe um equilíbrio entre um fio condutor e as lacunas ao seu redor, você convida as pessoas a participarem desse processo com suas imaginações e que cada um crie a sua versão da história completa na própria cabeça.

Isso não vai servir para todas as narrativas, para todos os mundos e para todos os personagens. Mas existe um fascínio no desconhecido que a gente não consegue muito entender. Um esforço do cérebro em ligar o espaço entre duas linhas. Em dar forma ao que parece caótico.

Claro, existe um efeito colateral quando isso não é bem implementado. O próprio final de Lost decepcionou muitas pessoas por ir em uma direção bem diferente do que suas peças davam a entender. Espectadores dando nós, escritores usando cola quente.

Mas esse exemplo foi tão notório que talvez ele mesmo tenha ensinado algo a quem veio depois: o mais interessante não está em dar as respostas, mas permitir que as pessoas descubram suas próprias perguntas.

Dentro dos jogos podemos citar a estrutura narrativa que a FROM sempre utiliza, capaz de mobilizar milhões de jogadores a montarem um quebra-cabeças que não necessariamente tem todas as peças.
Será que a imagem no final é mais importante do que o prazer de fazer o quebra-cabeças?

É quase uma forma arqueológica de abordar uma história, mas sem focar tanto na obrigação científica de fazer sentido. Talvez se fizer tanto sentido nem tenha tanta graça. Para mim, Control é um jogo que brilhou em encontrar esse equilíbrio.

SUBTÍTULO DE ARTIGO H2 RASURADO

Control por si só já tem uma premissa que desperta a imaginação: o jogo inteiro se passa no Departamento Federal de Controle. Esse birô, criado para estudar “eventos alterados”, fica baseado em um local que chamam de A Casa Mais Antiga, que dobra as leis da física, muda de disposição o tempo todo e some misteriosamente com banheiros.

Se a ambientação já é maravilhosa por si só (que curiosamento me deu muitos momentos de familiaridade com o primeiro Half Life), a forma como a história antes da história é contada é o que me pegou sem volta.

Em uma série de documentos espalhados por salas, corredores e departamentos, eu e Jesse Faden começamos a montar um imenso quebra-cabeças daquele mundo: memorandos sobre procedimentos e pesquisas tentando entender eventos e objetos alterados, reclamações sobre os constantes desafios de uma rotina tão fora do normal, resenhas do clube do livro que alguns colegas começaram dentro do FBC.

É engraçado como (e isto é uma opinião bem pessoal e preferencial) permitir que o leitor busque as informações e conecte na sua cabeça as peças narrativas se torna muito mais engajador do que simplesmente oferecer escolhas de diálogo ou caminhos divergentes.

Se você para e pensa, quando você preenche uma lacuna, está criando parte da história, mesmo que ela não seja canônica. Se faz uma escolha pré-estabelecida, está apenas decidindo o caminho em um passeio.

Um dos documentos em Control é a prova mais incrível de como esse tipo de narrativa prende e encanta. Depois de se acostumar com dezenas de documentos rasurados, com informações retiradas por questões de ordem e segurança, você encontra o seguinte arquivo:

Imagem capturada de Control


Uma frase censurada no meio de um bloco de texto de frases repetidas. Como pode um mistério tão grande se apresentar de uma forma tão simples? O QUE INFERNOS FOI RASURADO AÍ!?

A cada novo documento que eu abria, a cada novo caso, eu pensava um pouco mais em como nunca fiz algo assim na minha vida. Até por que uma narrativa não precisa ir totalmente para esse lado como o próprio Control Faz. É possível com bem menos foco (e talento, no meu caso) criar um tipo de narrativa arqueológica que eu amo participar, mas nunca pensei em escrever.

Quem sabe é uma pista para as próximas histórias?



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