Eu morro de medo de morrer
ATENÇÃO: Spoilers de A Vida de Chuck
Toda conversa sobre morte tem um argumento recorrente: “Não tenho medo de morrer, porque se eu já tiver morrido não vai fazer diferença. Quem sofre é quem tá vivo.”
É uma ideia de que, se houver vida após a morte, ótimo. Se não houver, não vou saber mesmo.
Certo, eu entendo o ponto. Entendo mesmo. É lógico. Faz sentido. Tem seu mériE DAÍ CACETE EU TENHO MEDO MESMO ASSIM
Calma.
O problema é que não importa o ângulo, a ideia inevitável da morte sempre me assombrou. E quem me fez entender, sintetizar e formatar o meu medo não foi um filósofo clássico, Buda ou Jesus. Foi John Green.
Pois é. Em A Culpa é das Estrelas, o personagem Augustus Waters fala sobre o medo do esquecimento. Essa é daquelas traduções que incomodam, porque não existe exatamente uma palavra em português para passar a ideia do que ele diz originalmente: “I fear oblivion, I fear it like the proverbial blind man who's afraid of the dark.”
Oblivion não é exatamente o esquecimento. É a ausência da própria ausência, se isso faz algum sentido. É não poder nem notar a falta de algo porque não se tem conhecimento de que aquele algo já foi, será ou é. Como ele continua, é o homem cego que tem medo do escuro, sendo que o escuro não existe como conceito para ele.
A primeira vez que eu li essa frase no livro, algo clicou. Eu tenho exatamente o mesmo medo. Não o medo de deixar de existir, mas de não existir e nem me dar conta. De não ser.
É sério, eu tenho frio na barriga só de escrever.
As pessoas podem falar muita coisa sobre o John Green, como qualquer pessoa que fica em evidência e tem seu talento escrutinado. Ele beira o brega? Perigosamente. Ele tem uma visão Steve Buscemi com skate sobre relações adolescentes? Em muitos casos. Os livros são bem formulinha? Sim, mas se tá funcionando…
Sim, eu percebi que estou elogiando John Green como o Professor Girafales elogia o Seu Madruga. Mas é pra falar que, independentemente de forma e conteúdo, ele tem uma visão muito clara e honesta sobre a morte. Principalmente sobre o que a morte significa para quem está vivo. Como lidamos com ela. Como, igual no meu caso, a tememos.
Até poucos dias atrás, a minha conclusão sobre o assunto era centrada nessa simples frase de A Culpa é das Estrelas. Mas ainda me sentia um pouco incompleta com ela. Acho que tem muito a ver com o livro seguir personagens bem diferentes de mim, em personalidade e idade.
Eu sentia que precisava expandir minha ideia da morte para condensá-la em algo meu. Ainda sinto, mas outra adaptação literária para o cinema me fez dar um novo passo.
Este texto não é sobre o John Green
A abordagem adolescente da morte me ajudou a entender algumas coisas sobre meu próprio medo, mas acho que outro autor conseguiu se aproximar mais do que eu sinto sobre ela.
Primeiro, tenho que deixar o aviso importante que sempre deixo para não assustar ninguém: eu sou uma das seis pessoas no mundo que não é muito fã de Stephen King.
Não é odiar, não é desagradar, é simplesmente… o que é. Nenhuma história dele até hoje tinha me permitido conectar com seus temas, personagens e visão das coisas. Mesmo o clássico O Iluminado: um bom livro, um filmaço, mas que não me provoca nada em reação.
Mas parem as máquinas! Ele conseguiu, pessoal. Ele finalmente conseguiu.
Depois de assistir A Vida de Chuck, uma história de King finalmente me atingiu em cheio. Não foi só uma conexão, foi um trem passando por cima.
Depois de ver o filme, fiquei uns bons dias tentando entender o que A Vida de Chuck me trouxe além de A Culpa é das Estrelas. Esse negócio de achar palavras pra descrever as coisas é difícil, né? Mas acho que posso dar um chute: King consegue uma sofisticação maior do conceito.
Não é sofisticação no sentido de elitização. Não é sobre a linguagem nem o público. Nem poderia afirmar algo por esse lado, já que não li o livro, vi apenas o filme. Ok, talvez nem “sofisticação” seja a palavra mais adequada. É mais como a mesma ideia dada volume. Amadurecida. Desenvolvida.
A visão mais devastadora de A Vida de Chuck é a de nós como universos. Tá, é um conceito batido, eu sei. Mas, quando a ideia é levantada, dificilmente se fala no fim desse cosmos. A violência de estrelas que explodem, de planetas que se chocam, de buracos negros que se formam.
Buracos negros, aliás, que são a ligação física mais direta que temos com o tal oblívio. Um lugar de onde nada sai e que, portanto, só contém o que não existe.
A morte é isso para mim. Algo que existe, que é testemunhável, mensurável e verificável de fora. Mas que só se conhece de verdade quando se está dentro. E, estando dentro, não se está mais.
Dá para entender agora por que a ideia me apavora?
Porém, ao contrário de A Culpa é das Estrelas, em A Vida de Chuck, eu me sinto mais confortável falando sobre esse medo. Muito porque há uma visão menos cínica da morte. Chuck não é como Augustus, que coloca um cigarro apagado na boca como ironia. Eu nunca fui tão cool assim para ser irônico com estilo.
Eu sou, sim, mais como Chuck. Mundano, pouco percebido. Fazendo coisas comuns em ambientes comuns. Meu medo da morte não se torna um grande traço de personalidade. Apenas me faz dar aquela pequena desesperada às duas da manhã, quando levanto para ir no banheiro e está tudo escuro e em silêncio. Quando a cabeça está livre de estímulos o suficiente e a mente talha, igual um molho que não se pode parar de mexer no fogo.
Mas eu contenho multitudes, sim. Eu sou um universo inteiro, sim. Das histórias que imagino aos pensamentos aleatórios ao longo do dia, existe algo dentro de mim que é só meu. Em bilhões de anos do universo, milhares de anos de existência do Homo Sapiens, em bilhões de pessoas que existem no mundo.
Este universo vai se apagar um dia, até a última estrela. Mas ele existe agora e é um bocado incrível vê-lo se expandindo até onde puder. Os vários eus, as várias pessoas que conheci, que amei, que inventei. Tudo o que me faz ser. Sem predicado. Apenas ser.
Fico feliz que Stephen King me deu essa imagem para explorar. Só que já me bateu o desespero mesmo assim.
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