Persona 4 e o trabalho que dá ter amizades

Imagem capturada do jogo Persona 4, em que Naoto diz: "Are you a pack of imbeciles?"





Eu sempre quis falar de alguma forma sobre a experiência meio que reveladora que tive jogando Persona 4, mas nunca encontrei um ângulo. Eu sou desses que acho que preciso "ter um ângulo".

Geralmente eu não tenho, mas por que eu vou me impedir de falar sobre algo só porque eu não tenho nada de especial para contribuir com o assunto? Afinal, eu falar de algo partindo de um ponto de vista de experiências e memórias que ninguém mais tem exatamente como eu tenho não seria em si um ângulo? Começar a falar aleatoriamente sobre um assunto nada a ver com o assunto que iniciei não seria um ângulo em si?

ENFIM!

Hoje eu tenho um ângulo. Então, hoje, tomara, torço muito por isso, vou conseguir falar da minha experiência com Persona 4. Lá vai.

Vida social dá trabalho

Persona é uma série japonesa de RPGs que ficou muito popular quando misturou dois gêneros de jogo e narrativa em uma coisa só: heróis que se dividem entre vencer inimigos cada vez mais ameaçadores e potencialmente matar deus no final, enquanto precisam ir pra aula, estudar e fazer amizades no tempo livre.

E nada é mais presente em Persona 4 do que o tempo. O protagonista é um adolescente que foi cursar seu último ano de escola em uma cidade do interior. Nesse período, marcado dia após dia em seu calendário, ele passa a conhecer novas pessoas e aprofundar sua relação com elas: ir ao cinema, comer algo na rua, participar do festival da cidade ou praticar esportes.

Cada uma dessas ações gasta tempo do jogo, que é limitado de certa forma. Não dá para fazer tudo de uma vez e há sempre o peso de grandes eventos chegando que moverão a história em frente.

É perfeitamente possível fazer tudo em Persona 4 jogando apenas uma vez. Mas não é tão simples. Existem até guias que ajudam você a planejar um cronograma de atividades para conhecer o máximo de todo mundo e fazer o máximo de atividades possíveis dentro desse ano.

Ou seja, garantir que o aspecto social do jogo seja completo é bastante trabalhoso, mantendo uma dúzia de relações saudáveis e plenas em que o vínculo com cada uma seja único e significativo.

Mas Persona 4 é um jogo.

Isso é um jogo.

Essa dificuldade a gente só tem no jogo.

É só um jogo.

É...

O alívio de desapegar e a ansiedade do desapego

O que me fez escrever este texto foi uma leitura recente que eu fiz: Não aguento mais não aguentar mais: Como os Millennials se tornaram a geração do burnout, de Anne Hele Petersen. Embora muito focado nas experiências da autora, é impossível não traçar alguns paralelos de sentimentos de um geração em relação a trabalho, família, lazer e, principalmente, à relação com a otimização do tempo.

Até porque, nesse ponto, eu não vejo a ansiedade temporal como um mal de uma geração, mas um caminho inevitável que todos nós estamos trilhando de mãos dadas, independente da idade.

Talvez isso tenha mais a ver com nossa capacidade de microgerenciar o tempo. Gameficar a vida. Transformar interações em tarefas, socialização em turno, carinho em meta. Se nossos ancestrais tinham a percepção de quando amanhecia e anoitecia, nós podemos planejar uma manhã na base dos segundos. E como seres humanos que somos, fazemos isso.

O que me levou a pensar tanto em Persona 4 quando lia o livro é como o sistema social dele emula muito bem (mesmo que intencionalmente) a ansiedade e a pressão que o tempo exerce hoje sobre a socialização. Com acesso a todo mundo o tempo todo, nos sentimos na obrigação de estar sempre em contato, como se as ligações entre as pessoas se evaporassem no silêncio.

Assim, não planejamos apenas que dia vamos encontrar com quem em uma saída. Sem perceber, eu mesmo começo a compartimentar as interações sociais. Agora, vou dar uma olhada no grupo dos amigos. Mas antes, preciso mandar uma mensagem para meu pai. Sem esquecer que no fim da noite vou pro Discord para conversar com a galera enquanto jogamos qualquer coisa.

Eu sinto hoje na vida o mesmo que senti jogando Persona 4. Logo nas primeiras horas, começou a vir uma ansiedade inesperada em relação à mecânica social. Os dias passavam, eu me aprofundava em algumas relações com personagens, mas me sentia perdendo algo em outras. Ao mesmo tempo, pensava que se fosse abrir meu leque para todas as amizades, talvez não chegasse a me aprofundar ao máximo nos personagens que mais me interessavam.

Até que, no meio do jogo, eu tive uma espécie de epifania.

Já fomos menos de FOMO

Um dia, enquanto eu pensava sobre qual Social Link eu iria aumentar naquele dia de escola em específico, eu pensei uma coisa: que tal eu parasse de levar a vida do protagonista como uma mecânica? E se eu só fosse me aprofundando mais no que queria e parasse de ter medo de perder alguma coisa, ou ficar sem uma vantagem de status no final?

Uma chave virou na minha cabeça. Persona 4 é sobre o tempo, mas o tempo não precisa ser visto só de uma maneira. Para minha experiência, a narrativa na minha cabeça, era um ano final de escola como eu e todo mundo teve. Um ano que parece que não acaba nunca, mas que você sabe que não volta. Nenhum ano volta, nenhum tempo volta. Então o melhor que podemos fazer é aproveitar mais o que fazemos sem pensar tanto no que deixamos de fazer.

Eu não cheguei nem perto de platinar Persona 4, óbvio. Vários relacionamentos ficaram incompletos, parados no tempo. Eu poderia até voltar a jogar seguindo um guia. Mas não estaria eu transformando uma história em uma mecânica apenas? Olhando as engrenagens por trás do brinquedo que me deu a ilusão de magia?

As escolhas sociais que eu fiz no jogo moldaram minha vivência dele. E eu aprendi a valorizar muito e deixar esse tempo na memória. Foi uma experiência completamente descolada do que o jogo pretendia, talvez, mas a gente sente o que a gente sente.

Infelizmente, Persona 4 é um jogo. Você começa e termina, abre e fecha quando quiser. Eu duvido que conseguiria ter o mesmo desprendimento de fazer isso na vida, em que o FOMO não é apenas uma questão de conseguir mais status para o seu personagem, está ligado diretamente à sua inclusão em círculos sociais que você se interessa.

Mas não é por que podemos controlar o tempo que devemos. E não é por que temos todos os contatos disponíveis imediatamente que precisamos estar o tempo todo os reforçando.

Claro, isso é lindo na teoria e eu acho que não consegui ainda usar na prática. A vida é mais ambígua. Dá muita ansiedade tentar controlar, mas também dá muita ansiedade desapegar. E não é como se a gente pudesse trocar o jogo. Nós só temos este aqui, em que só platina mesmo quem paga o premium.

O que fazer então para não transformar a vida social em um trabalho e acabar perdendo a vontade de manter contato com as pessoas? Como não ter burnout no que devia ser prazeroso? Eu entendo que para muita gente isso não é um problema. Porém, para alguém como eu que se esgota muito com a ansiedade de encontros sociais online e offline, encontrar esse equilíbrio parece impossível.

E é aí que eu chego em mais um texto completamente sem resposta. Meu ângulo sempre sai errado e estilinga no ponto que eu queria levantar. Mas, tirando uma lição do sentimento que Persona 4 me passou, talvez o que a gente pode fazer é valorizar as amizades e os contatos que mais importam, sem tornar isso uma obrigação. E admitir que o tempo não será o suficiente.

Ele nunca será o suficiente. Por mais que a gente tente otimizar. Que pelo menos a gente consiga focar nas pessoas que nos ajudam a matar deus vez ou outra.




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