Meu 2020 foi basicamente igual ao seu

 

Homem Aranha apontando para o Homem Aranha



Estou escrevendo este texto no dia 11 de dezembro de 2020, tentando olhar para trás em um ano no qual os dias parecem ser todos meio que a mesma coisa, passando tão rápido e devagar ao mesmo tempo.

E eu sei que foi assim para você também.

Infelizmente, essa estranheza ainda não acabou, a pandemia não acabou, mas a passagem de ano contínua sendo uma passagem de ano para nossos rituais de rotina — eu até escrevi sobre isso no longínquo março de 2020. Lembra de março? Pois é.

Tentando colocar uma ordem nos acontecimentos, acho que dá para dividir 2020 em 3 momentos bem distintos, que vou chamar de: expectativa, crise e aceitação. Os 3 estágios que fizeram o período parecer uma montanha-russa interminável nos últimos meses.

E eu sei que foi assim para você também.

Estágio 1: A Expectativa

Os meses de março, abril e maio, foram algo inédito na vida da maioria das pessoas. Foi um misto de liberdade e apreensão quando tudo parecia aterrorizante e empolgante de alguma forma. Sim, era terrível ver as notícias todos os dias (ainda é, talvez estejamos mais anestesiados com isso tudo), mas ainda havia uma sensação de que era passageiro e de que aquele momento preso em casa seria significativo de uma forma positiva para todos nós.

Vieram os projetos pessoais, os hobbies. Veio a ideia aproveitar ao máximo esse momento único. Transformar medo em poesia, apreensão em expressão, falta de conexão em símbolo. E eu fui um dos que sonhou com isso, sabe? Eu tenho que admitir agora, infelizmente, que eu caí na mensagem que via nas propagandas de banco.

E eu sei que foi assim para você também.

Estágio 2: A crise

Quando chegamos em junho, ficou claro que a pandemia não seria algo passageiro. A única solução é a vacina e a vacina não fica pronta em dois meses. Foi quando as expectativas que criei, os significados que determinei se esvaziaram aos poucos.

Este texto aqui é bem emblemático sobre muito do que passei nesses meses de inverno. Uma constante ansiedade que não tinha para onde ir, porque eu parecia suspenso no tempo. Nem alegria, nem desespero. Acho que foi a pior crise de depressão que tive nos últimos anos, que perdurou em níveis oscilantes até outubro.

Esse período exigiu de mim mentalmente e fisicamente. Estou agora com medo de expor demais minha vida, mas lá vai: nesse período comecei a perder minha barba, até culminar com duas clareiras bem grandes no cabelo que caíram sem dar sinal antes. Sim, eu provavelmente terei que usar boné por boa parte de 2021.

Foi também no meio dessa crise que aprofundei meus hobbies, talvez para compensar a pressão que sentia. Comecei a bordar, principalmente, algo mecânico que ajuda a reduzir os pensamentos um pouco.
Isso tudo para mim teve uma origem bem clara. A proposta de ser produtivo e significativo no tempo que me foi dado virou pressão, obrigação culturalmente imposta e autoimposta ao mesmo tempo.

É impossível viver em redes sociais, acompanhando o melhor de cada pessoa na Terra e não achar que você não está fazendo o suficiente. Isso não é de hoje, claro, mas foi particularmente cruel em 2020. É difícil não quebrar nessas circunstâncias.

E eu sei que foi assim para você também.

Estágio 3: A Aceitação

Acho que só de novembro para cá as coisas começaram a melhorar (embora o problema do cabelo tenha acontecido nesse período como consequência dos meses anteriores). Coletivamente foi o contrário, as pessoas simplesmente esqueceram que a pandemia existe.

Mas individualmente, ainda seguro dentro de casa, eu notei que estou aos poucos me livrando dessa armadilha que eu criei para mim mesmo da produtividade simbólica. Muitos livros e canções vão ser escritos neste ano. Muitos projetos incríveis vão sair do papel. Mas talvez isso já aconteceria se nada tivesse sido diferente. Talvez apenas a ordem dos fatores tenha mudado. Talvez eu mesmo teria feito muito menos do que o pouco que de fato fiz.

Por que a gente sempre pensa que a opção não realizada teria sido melhor?

Olhando em retrospecto, foi mais um ano de autoconhecimento, como têm sido os últimos. Apenas com uma lente diferente, uma coloração inédita. É muito terrível ainda ver o que está acontecendo e por isso acabo me afastando de notícias de tempos em tempos. Se você teve sua vida afetada diretamente, eu sinto muito, de verdade. Tenho muita sorte de isso não ter acontecido comigo. O que posso fazer hoje é cuidar de mim e de quem eu amo, quem eu quero bem.

Mas quanto à parte filosófica e existencial desse isolamento, eu finalmente começo a aceitar que não foi tão especial assim. Eu não posso considerar tão especial assim porque, senão, terei que analisar demais algumas escolhas bem ruins e momentos bem difíceis que passei. Este sou eu, minha vida. É o que eu tenho. Não dá para me julgar sempre pelos meus piores momentos. E estou aprendendo a me adaptar com o tempo.

E eu sei que foi assim para você também.

Eu te entendo.

Não está tudo bem, mas está tudo bem para nós.



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