Todos os lugares que nossas mentes assombram

 

Pessoa vestida com um lençol imitando um fantasma

As coisas mais incríveis acontecem na nossa cabeça antes de dormir. É eu sei, geralmente não é um incrível bom. Tá mais para um "meu cérebro decidiu exatamente agora, 5 segundos antes de pegar no sono, que é o momento perfeito para lembrar da vergonha que passei em 1999".

Mas de vez em quando é diferente. É um sentimento que vem ninguém sabe de onde e que se torna tão real quanto a realidade consegue ser. Sim, impede de dormir do mesmo jeito. Mas nem sempre é algo ruim.

Isso aconteceu comigo na noite passada. Sem razão, sem contexto, sem gatilho. Na minha mente não veio um momento, uma ação, um arrependimento. Veio um lugar.

Era eu passeando pela casa do meu avô, que faleceu há alguns anos. Ele morava em uma casa grande, porém bem simples, no interior do Rio fazendo divisa com Minas.

Não era como em um sonho, como se eu estivesse ali de fato. Imagine algo como a câmera no fim de Titanic passeando por todas as pessoas que morreram sob o ponto de vista de Rose, até pousar na visão de Jack parado no lance de escadas.

Era assim. Minha mente que estava lá, não eu. Ela desceu os três ou quatro degraus do corredor para a sala de jantar e se virou para a cozinha. Atravessando direto, foi parar na dispensa da casa, um cômodo quadrado que não seria nada demais se não fosse uma janela alta que dava para a garagem no nível de cima e uma escada de madeira que os adultos usavam para passar por ali.

Já pensou como as coisas mágicas que vemos quando criança formam a escola de magia que carregamos com a gente a vida inteira? Como escolas de arte ou de pensamento, mas a ver com como formamos nosso próprio imaginário.

Claro que as crianças eram proibidas de usar a escada — ou eu assumi que eram, sempre fui muito medroso — e nem pais e tios utilizavam com muita frequência. Não era prático. Mesmo assim, minha mente de décadas no futuro voltou àquele ponto específico, gigante como era pelos olhos de uma criança, um pequeno cômodo e o portal que ele guardava acima de nossas cabeças.

Desde que meu avô se foi, eu devo ter voltado lá uma ou duas vezes. A vida sempre continua acontecendo mesmo quando a gente tenta evitar. Eu tenho certeza de que ela é na minha memória muito diferente da dispensa que sempre foi. Mas minha mente estava lá, entende? Por dois segundos ela estava lá.

Depois que isso aconteceu, claro que eu não consegui dormir. Fiquei tentando recordar alguma memória que me levaria até aquele momento e não descobri nenhuma específica. Então comecei a pensar sobre memórias. (a pessoa com insônia vai longe)

Mais precisamente, fiquei maravilhado de relembrar como nos recordamos dos lugares que são importantes para nós. A memória nunca parece uma coisa confiável, muito menos confiante. Ela vacila na lógica, mas se apega muito aos detalhes.

Aquele ponto da casa, aquele dia, aquela situação, aquela pessoa. As conexões mais fortes, para o bem ou para o mal, acontecem quando esses universos se colidem.

E, assim como átomos trocando elétrons, assim como estrelas trocando energia, o impacto desse momento é tão impressionante que trocamos fragmentos. Um pouco de nós fica lá. Um pouco de lá fica em nós.

(Eu juro que não tô mandando uma pseudociência aqui! É pior, é metáfora barata!)

Sim, tudo isso porque lembrei de uma despensa no interior do Rio de Janeiro. Mas essa é minha escola de magia, tá? Você que arrume a sua. Eu gosto de pensar que, por um capricho de poesia do universo, minha mente realmente habita aquele lugar, como todos os outros que habitam em mim. Como fantasmas. Assombrando sem ser sombrios. Assimilando um pouco de cada coisa e empilhando a bagunça que é a minha cabeça.





Postar um comentário

0 Comentários