Quando até jogo ruim te dá emoções

Imagem do jogo Final Fantasy XV

Este texto foi postado originalmente em 17 de abril de 2020

Primeiro um disclaimer: Final Fantasy XV não é um jogo ruim. Talvez seja decepcionante em comparação à expectativa criada, mas o que não é? Se a gente começar a analisar resultado baseado em expectativa, eu vou sentar ali no canto chorando e me arrependendo de muitas escolhas na vida.

Ou seja, o título foi um clickbait para te trazer até aqui. Se você consegue aceitar esse fato, que bom! Se você se decepcionou… é, eu vou ver se dá para escrever sentado nesse canto mesmo.

Sem querer eu tô querendo

Final Fantasy XV tem uma estrutura muito charmosa no começo do jogo. É essencialmente uma road trip. A história começa com seus quatro personagens principais empurrando o carro estragado até um posto de beira de estrada, com oficina, lojinha de conveniência e restaurante.

Essa sensação não se mantém por muito tempo. Uma hora, o jogador percebe o loop e as repetições nesse mundinho (um exemplo é as cinco ou seis lanchonetes exatamente iguais, com uma desculpa muito esfarrapada para justificar).

Mas seria muito difícil de qualquer forma segurar essa sensação o jogo inteiro. De cara, o único que lembro conseguir fazer isso é Breath of the Wild. Geralmente, a mecânica acaba sempre se sobressaindo à imersão.

Mas eu não vim aqui falar de game design, até porque não sei muito sobre. Vim falar de como esse início foi arrebatador para meus dias de isolamento social.

Eu nunca fui muito de sentir necessidade de sair de casa, muito menos de fazer viagens. Uma vez, quando era adolescente ainda, meus pais e meu irmão foram para outro estado e eu fiquei duas semanas inteiras sem ver a calçada em frente ao prédio.

Eu fiquei bem, no máximo de bem que eu conseguia ficar na época.

Mas o que eu e você estamos aprendendo nesses dias é que poder escolher faz muita diferença. Poder sair me faz ficar em casa. Não poder me faz querer. Se alguém algum dia disse que o ser humano é uma criação perfeita, você pode chutar a canela dessa pessoa por mim.

A nostalgia do que não se vive


Esse foi o soco de realidade e o afago do escapismo que Final Fantasy XV me deu ao mesmo tempo. Boa parte do começo da história é dedicada a esse grupo de amigos andando de carro em estradas calmas, com o pé no painel e o dia lindo, encontrando comércios de beira de estrada e estações de aluguel de Chocobos.

O simples ato de descer do carro e observar um local daqueles era um aperto no coração. A imersão é mais profunda quando o corpo é mais pesado e todo o peso da incerteza dessas semanas está se acumulando em mim.

Acho que já faz dois anos da última vez que fiz uma viagem assim, longa por estrada de parar para fazer lanche em um lugar que você nunca esteve.

Geralmente a comida é fria, tem muito sal. Geralmente o lugar é amplo e um pouco frio.

Mas sempre tem a parte do artesanato local, dos quitutes. Aqui em Minas Gerais, pelo menos, é algo que não pode faltar em um comércio de beira de estrada. Um doce de leite em cubos. Um animal feito a mão.

É muito estranho o quão familiar me foi essa sensação ao fazer algo parecido no jogo, mesmo que o ato não seja especial para mim. A limitação dá valor às coisas, talvez.

Mas por mais que essa nostalgia do que não se vive seja melancólica, ela me fez um bem importante de uma semana para cá. Deu uma vontade de esperar por algo que ainda vai vir.

E isso é tão engraçado! Porque eu sei que depois que tudo voltar ao normal (seja lá qual forma nosso normal tome no futuro) eu não vou sair correndo de casa para comer uma coxinha na BR-040. Eu nem tenho planos para viajar independente do que aconteça.

Mesmo assim aqui estou eu, com saudades. Jogando um jogo para sentir o cheiro da grama, por mais esquisito que eu pareça dizendo isso.

Se tem uma coisa que essa quarentena nos dá de certeza é que somos mesmo sempre um pouco descompensados. Apenas o grau varia. A gente sonha demais, sente falta do que não existe.

Quando eu paro para analisar isso um pouco, parece que é a mesma origem da empatia. E cá entre nós: sem empatia e sem nostalgia, ser humano não tem graça nenhuma.

Ah, eu ainda não terminar FFXV. Mas agora parece que entrei num embalo de guerra, sacrifício e seres mágicos. Nada tão épico quanto ler sobre ração de Chocobo à sombra de uma árvore em uma manhã linda de sol.



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