Operencia: o sun stolenado é o de menos


Operencia: The Stolen Sun

Eu acho que jogo muito esse negócio de videogame.



Mais do que eu deveria?

Você acha?





Ei! Esse não é o ponto aqui.

Meu ponto tem a ver com uma coisa que acontece quando você consome muito de um produto de mídia, seja música, cinema, jogos, streaming de pessoas comendo: nós começamos enxergar padrões e perdemos a sensibilidade à história.

Isso aconteceu comigo, por exemplo, com comédias românticas. Eu ADORAVA comédias românticas, até ver muitas e perceber naturalmente o que descobri ser chamado de estrutura narrativa hollywoodiana — uma jornada do herói adaptada especialmente para caber no formato de 90 minutos de um filme.

Entender essa estrutura não estragou os filmes para mim, nada disso. Mas eu acabei anestesiado. Todo mundo sabe que o casal vai ficar junto no final, mas eu comecei a ter uma noção de que imediatamente antes deles ficarem juntos haverá a crise que levará ao grande gesto de amor, e que essa crise será causada por um quiprocó ali mais ou menos em 60% ou 70% do filme.

A mesma coisa nas músicas. Seja pop, latino, gospel, rock, punk, as músicas mais comerciais geralmente são compostas por:
verso I;
talvez pré-refrão;
refrão I;
verso II;
talvez pré-refrão de novo;
refrão II;
ponte;
refrão III.
Mas agora você deve estar pensando “peraí, é claro que toda mídia de entretenimento vai ter fórmulas e isso não é ruim, mas um relexo do que dá certo e de atalhos legítimos para alcançar e até manipular o sentimento do espectador em busca de uma resposta empática que gere movimento. Você vai dar uma agora de ‘ain, o que é comercial é lixo’?”.

Olha que coincidência, você teve um pensamento tão específico e é exatamente o mesmo que eu tive.

E aqui eu, finalmente, depois dessa aula de coisas que não tenho conhecimento suficiente para lecionar, encaminho para meu ponto principal.

A verdade é que, mesmo tendo uma ideia de todas essas fórmulas, eu continuo ouvindo músicas pop, continuo assistindo filmes que parecem feitos por um algorítimo e até indico depois.
Sabe por quê? Por que eu amo ser surpreendido pelas histórias dentro das histórias.

As histórias dentro das histórias

É muito fácil ser surpreendente no vazio. Do vazio qualquer coisa pode surgir. Eu não falo muito sobre Adventure Time porque tenho medo de web-apanhar, mas a verdade é que algo me incomoda muito nele: a graça do desenho é proposta pela aleatoriedade, mas a aleatoriedade não precisa estar ligada à estrutura.

Assim é fácil.

O que mais me encanta em filmes, músicas e jogos é quando pessoas conseguem subverter a fórmula dentro da fórmula, ou utilizar essa fórmula como um palco para seus personagens.

Um verso em uma música pop pode elevar toda a letra se ela é construída de uma forma que não esperamos, como a acidez que sempre eleva o prato no Masterchef.

Em um filme, o casal pode ficar junto no final pela 84733243ª vez, mas aquele momento em que um diálogo expande a relação entre eles em algo muito além do que é contado no filme pode ser suficiente para me fazer um apaixonado pelo gênero, tudo outra vez.

As histórias contadas dentro das histórias são o que me prendem mais a atenção. Algo que, como
escritor frustrado, sempre quis e nunca consegui fazer direito.

É, por exemplo, a razão pela qual fiquei com muita raiva e muito triste quando assisti a Trilogia do Antes, porque eu nunca ia conseguir contar tanta história, com tanta sensibilidade, dentro de uma estrutura tão simples.

E é por isso também que eu senti muita vontade de falar de um jogo em específico neste texto.

As histórias dentro de Operencia

Recentemente eu assinei o Microsoft Game Pass de PC por um real e pensei “esse real vai valer como não vale desde 1994”. Saí instalando tudo que meu computador e meu HD permitiam e, dentre eles, um dungeon crawler que ouvi falar pouco até.

Ele se chama Operencia: The Stolen Sun.

Por que não? O jogo parecia bonito e me lembrava Legend of Grimrock, uma franquia de dois jogos que gosto muito. Comecei com a mesma disposição que começava jogos na época dos emuladores e roms de SNES: vamo ver qualé, jogo uma horinha e pulo pro próximo.

Foi aí que algo aconteceu. Algo em Operencia me prendeu. E com certeza não era o plot principal sobre o Sol roubado. Algo me pegou na primeira vez que minha maga Sáfély (capaz de manipular energias elementais e sustentar com classe dois acentos agudos no mesmo nome) encontrou seu primeiro companheiro de aventura, o ladino Jóska.

Jogos, principalmente RPGs, dependem muito de texto para criar um mundo coeso. Precisam desde a lore daquele mundo até o NPC que fala “Bem-vindo à nossa pequena cidade. Ela é legal”.

Precisam muito de histórias dentro da história.

A indústria de videogames ainda está amadurecendo e por isso pega muitas estruturas emprestadas. O mais comum é ter uma narrativa hollywoodiana esticada como pouca manteiga para muito pão™.
E com certeza os profissionais da área já sabem disso desde a década de 90, desde os audio logs e reports e cartas encontradas ao longo dos cenários. Conhecer personagens, conhecer histórias deles fora daquele momento é o que dá empatia de verdade ao jogador.

E Operencia é para mim um exemplo perfeito disso. O jogo é feito por fases e cada fase tem alguns save points. São fogueiras, onde você pode fazer poções, comprar itens, gerenciar seu grupo. Mas, principalmente, são os locais onde esse grupo conta histórias.

A cada nova localidade, eu me via ansioso pela próxima fogueira, não para recuperar o HP dos meus personagens, mas para vê-los interagirem, compartilharem lendas daquele mundo, conversarem sobre características um dos outros, contarem seus trágicos destinos.

Dentro de uma jornada fantástica clássica (resgatar algo importante de um vilão superpoderoso), o que interessava era conhecer aquelas pessoas e aqueles mundos por consequência.
Personagens. Eu não sei quanto a você, mas é isso que mais me encanta em narrativas. Por isso, não importa se o plot é o mesmo de sempre, desde que dentro dele haja uma vida como você não viu em qualquer outro lugar.

Trilogia do Antes pode ser resumida em duas pessoas conversando do ponto A ao ponto B.
Um walk and talk de quase 5 horas.

Chato? Eu nem vi o tempo passar.

Simples? Eu conhecia tanto aqueles dois que pareciam reais.

Quando eu terminei Operencia, tive de certa forma um sentimento parecido. Eu não fiquei impactado pelo final, não achei nem particularmente grandioso. Mas eu senti saudades daqueles personagens. E eu dou mais valor a esse sentimento do que qualquer plot twist bombástico que joguem na minha frente.

Como deu para perceber, eu tendo a divagar muito e não conseguir firmar um ponto direito. Tem a ver com uma dificuldade de formatar sentimentos, mas estou treinando bastante para melhorar.
Mas pelo menos eu tenho uma conclusão! A conclusão é que as histórias de Operencia fizeram o jogo para mim.

Quem sabe um dia eu consigo fazer isso com os personagens que eu escrevo? E pode ter certeza que ela vai seguir alguma fórmula, eu quero ganhar dinheiro também!


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