Você tem que conversar mais consigo mesmo

Foto de Mikhail Nilov disponível em Pexels. A foto, com cores terrosas, mostra um braço vestido por terno esticado, com a mão pousada sobre um sino em um balcão de recepção




Você tem que conversar mais consigo mesmo.

Eu tento, mas nunca tenho tempo. Eu sento na recepção e me dizem para esperar.

Você tem que insistir.

E eu insisto! Falo que vou ficar ali até eu me atender.

E você fica?

Eu tenho mais o que fazer no dia, né?

É. Mas fala com convicção?

Como não! Como se eu fosse quebrar tudo se eu não me atender. Teve um dia que até quebrei mesmo.

Como foi?

Péssimo. Me senti péssimo. Não sou de quebrar coisa dos outros.

Mas era seu.

Mesmo assim… Não sou eu.

É sim.

Digo, não sou eu o tipo de pessoa que quebra as coisas de raiva.

É sim.

Talvez. Às vezes. Já quebrei muita coisa de raiva. A maioria dentro de mim.

Por isso que tem que conversar. Tem que achar uma solução.

Mas eu não quero nem saber, ué. Sempre que eu vou lá eu dou de cara na porta. A recepção fala assim, tenho muita coisa para lidar antes de poder me dar atenção. E eu fico lá, mas a atenção nunca vem.

Mas veja bem, é realmente muita coisa.

Eu só quero uma conversa rápida. Acertar algumas questões.

Talvez você queira coisa demais.

Demais? Eu só quero que eu me valorize um pouco. Pegar leve comigo.

Ninguém pega leve comigo.

Sim, mas não é por isso que eu não posso.

Você viu meu desempenho nos últimos meses?

Eu sei, são péssimos.

Tudo que eu quero fazer, alguém faz melhor. Todo o sucesso que eu quero, alguém tem com menos esforço.

Eu tô tentando…

Não o suficiente.

Quem julga quanto é o suficiente?

Eu.

Justo.

E se eu tivesse a oportunidade de falar comigo mesmo, o que diria?

Bom, eu sei que não teria muito tempo. Minha cabeça é muito ocupada. Eu diria só que eu tinha que me entender melhor. Que eu podia reconhecer o que consigo fazer e não diminuir algo só porque fui eu que fiz. Sabe, eu podia olhar pra mim mesmo com menos desprezo. Sem ser de cima pra baixo, como se eu estivesse sempre fazendo algo errado. E falar, de vez em quando, olha, eu não sou uma inconveniência. As pessoas não estão se incomodando simplesmente por minha presença, não é tudo sobre mim. Eu podia também me convencer de que meu esforço é válido e que não preciso de outras pessoas para confirmar o que acho de mim mesmo. Olha, não é difícil falar esse tipo de coisa. Eu só precisava de um tempo. De olhar pra dentro, assim. Acima de tudo, de aceitar minha própria companhia.

Interessante.

Será que eu consigo?

Posso marcar um dia pra ver isso. Fala com o pessoal da recepção agendar um horário.

Mas eu não posso resolver isso agora?

Tá vendo o tanto de coisa que eu tenho pra resolver? Eu gosto de perder tempo, hein? Que tal pensar menos em mim e começar a ser útil? O tempo dos outros sempre vai valer mais.

É, talvez… E quando eu marco essa conversa comigo?

Quer saber, passa um dia aí e pergunta na recepção. Se eu tiver tempo, te atendo.

Certo, se tiver tempo…

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