O universo que se f*da

Cena do jogo Xenoblade Chronicles 3, em que o protagonista toca flauta e pequenas luzes flutuam no ar


Não contém spoilers diretos de Xenoblade Chronicles 3, mas fica o aviso. Vai que você não quer saber nada de nada.


Em 2022, joguei um RPG chamado Xenoblade Chronicles 3 sabendo bem onde estava me metendo. O primeiro da série já havia me chamado muita atenção alguns anos antes, uma experiência que ficou muito comigo. Mesmo assim, não estava preparado para ficar tão emocionado ao longo da história como no terceiro. Tão investido. Tanto que mais de um ano depois, ainda penso nela a ponto de escrever este texto.

Durante esse tempo todo, vi opiniões de pessoas com sensações muito parecidas com as minhas. Sentimentos similares sobre personagens, sobre o mundo e, principalmente, uma unanimidade sobre o ponto alto da história.

E foi exatamente esse clímax que me deixou aqui pensando em como narrativas engajam e o que as tornam especiais. Esta é uma ruminação sobre o assunto sem qualquer objetivo, apenas para eu tentar aprender alguma coisa comigo mesmo. Presta atenção, Guilherme.


É fácil destruir o universo

Muitos RPGs de fantasia seguem os clichês do gênero em livros, filmes e séries que não são necessariamente ruins. Eu mesmo adoro! São tão comuns os tropos que existe até a brincadeira “começa matando rato no esgoto, termina matando deus”.

É só analisar objetivamente que dá para entender bem a razão de fazerem tanto sucesso. É uma estrutura funcional para uma história e também funcional para um videogame. Há uma progressão natural de desafios, de ameaças, de o que está em jogo.

O que é mais grandioso filosoficamente do que um deus? O que é mais grandioso cientificamente do que o universo?

Estruturalmente, é fácil criar esse tipo de situação apoteótica e cataclísmica ao mesmo tempo. Basta uma narrativa que leve todos seus elementos e personagens a culminarem em uma batalha de tudo ou nada. É fácil destruir o universo.

Mas por que, mesmo sendo um evento grandioso, nem sempre esse tipo de conflito gera sentimentos fortes em nós? Por que, em alguns jogos e outras mídias, a gente acaba até rindo ou achando brega?

Embora não seja exatamente a mesma situação, Xenoblade Chronicles 3 mostra muito bem onde está a diferença. Não nos grandes poderes, no destino do universo em poucas mãos. Ao se deparar com um embate estelar e infinito, bilhões de estrelas, de pessoas, de possibilidades, a diferença está no quanto você se importa com um ideia, um sentimento, um gesto.


Nós somos um Big Bang

A construção do ato mais memorável de Xenoblade Chronicles 3 é bem parecido com o que já falei aqui. Uma escalada de acontecimentos, evolução de perigos e muito em risco. Você segue a narrativa com total clareza de que isso terminará em um grande e importante conflito.

Mas o gancho emocional é muito mais forte do que o seu investimento na história até ali. No meio de uma trama gigantesca, as ações e decisões de alguns personagens colocam a história em suspensão. De todos os exércitos e disputas, ela se concentra em um diálogo, algumas frases. Um sonho que é falado em voz alta. Uma vontade reprimida.

A partir de uma pessoa, toda a visão sobre aquela luta muda. Mas não por que ela deu o golpe mais forte, não por que ela derrotou um deus. Apenas porque ela finalmente se permitiu imaginar, querer. Assim como o universo inteiro espremido em um só ponto.

Isso vale muito para escrever histórias e também para entender o que nos atrai em certas narrativas enquanto não em outras. Se é fácil colocar personagens em uma situação de grandiosidade, é muito difícil dimensionar isso para quem lê, joga, assiste.

Eu sei que isso não é a coisa mais inovadora de se pensar no mundo. Pessoas se conectam com pessoas. Ideias se conectam com ideias. Mas, quando o conceito é bem apresentado em uma história, parece que reforça essa necessidade por conexão. Na vida fictícia e na real.

Mesmo em uma fantasia muito extrapolada, entre deuses decidindo o destino de tudo o que é vivo, nosso engajamento emocional vai estar sempre nos personagens que conhecemos e que passamos a torcer. É um comportamento perfeitamente alinhado ao que somos como seres humanos. O universo que se foda, contanto que as pessoas que amamos estejam bem. É aí que está o verdadeiro ouro de uma boa história.




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