A gente começa, mas não termina

Cena de A Nova Vida de Toby, mostrando Libby fumando no parapeito de uma janela

A série A Nova Vida de Toby (Fleishman Is in Trouble, no Star+) é daquelas que arma uma arapuca para os seus sentimentos. Ela começa de uma situação corriqueira de divórcio (não que divórcios sejam corriqueiros, mas né), na qual o foco está em um homem recém separado que tenta entender o que é sua vida sem a esposa, mas ainda com dois filhos pequenos para criar.

O gancho vem logo no primeiro episódio: enquanto ele ainda lida com suas primeiras semanas desse novo momento, a ex-mulher, que deveria buscar as crianças depois do fim de semana, desaparece.

Não, não é uma série policial de suspense. Ela não desaparece no sentido pessoas ligando para o 911 e detetives circunstancialmente brilhantes buscando pistas.

Ela só… some. Mas isso não tem nada a ver com a arapuca que me pegou.

A nova velha vida de Toby e amigos

Tudo na premissa de A Nova Vida de Toby apontava para algo que a gente já viu muitas vezes. O homem aprendendo a ser pai por necessidade, já que nunca precisou por opção. Conflitos emocionais com os filhos que, no fim, descobrem o amor incondicional e têm juntos a realização de que a família é mais importante que tudo.

A série não é sobre isso, embora tenha isso também. Fleishman Está em Apuros, como chegou a ser chamada oficialmente (algo que não deveria ter sido mudado), usa toda a situação para nos envolver na vida de três amigos que se reconectam depois de muito tempo e percebem algo que, secretamente, todos remoíam: mesmo em três variações bem diferentes de vidas parecidas, nenhum deles está satisfeito com os rumos que seguiram e as decisões que tomaram.

Não quero entrar em detalhes, mas, como não consigo evitar, preciso falar de coisas que ficaram na minha cabeça depois de assistir.

A narração das nossas próprias vidas

A Nova Vida de Toby é muitas vezes esquisita, com algumas escolhas questionáveis na forma de tratar relacionamentos casuais que te deixam pensando onde ela quer chegar. Em alguns pontos, chega. Em outros, a satisfação depende de onde você queria que ela chegasse.

Mas, no meio disso, ela consegue construir em um dos últimos episódios uma discussão que ficou muito comigo: o conflito entre a imagem que a gente cria do nosso futuro quando bate a foto e o que realmente sai dela quando a revelamos (é uma série para quem tem mais de 30, então não reclama da minha analogia).

A forma como a série conduz o assunto é utilizando a voz da personagem Libby, de Lizzy Caplan, como narradora da vida de Toby, interpretado por Jesse Eisenberg. Ela funciona como uma voz externa do próprio protagonista, que julga todas suas falhas e abre questionamentos sobre suas escolhas.

A princípio, essa voz é quase que impessoal, descrevendo os pensamentos de Toby de uma posição de superioridade e distanciamento, como geralmente são os narradores. Libby comenta sobre o conturbado relacionamento do casal, sobre o divórcio, sobre a relação com os filhos.

Porém, à medida que os personagens se aproximam na “vida real”, percebemos uma mudança gradual na narradora. A Libby mecanismo de roteiro se conecta à Libby personagem, culminando no grande ponto de tensão da série de 8 episódios.

Neste momento, depois de uma reunião de turma daquelas que americano adora, há um impacto entre a imagem que os três amigos têm do que seria a sua vida e o que ela realmente é. Essa discussão leva, algumas cenas depois, a um monólogo da Libby, que converge as ações dela personagem com as observações dela narradora, como se a vida de Toby fizesse parte de sua reflexão própria.

Quem nunca tentou se conformar utilizando como comparação outra pessoa que julga estar pior? Mas, uma hora, o truque se revela. Você está na armadilha, comparando o que é com o que foi. Afinal, até o que você acha sobre o outro é um pouco sobre você, não é?

O fim do potencial

O que mais me pegou no monólogo da personagem é um choque que deve ser muito comum para todo mundo que está passando por essa fase da vida. Talvez para você não tenha nenhuma relevância, mas vai continuar lendo assim mesmo.

Eu estou vigiando se você vai continuar, hein?

Libby fala sobre o potencial que somos até que deixamos de ser. Quando a gente é jovem, tudo parece possível, todas as escolhas estão ao nosso alcance. Isso facilita passar por dificuldades, pelas ansiedades da vida. Mas essas ansiedades nunca passam. Embora seja uma ilusão comum, pensar que os adultos “resolvem a vida” ainda é apenas uma ilusão.

Depois de uma certa idade, essa realização bate pesado. Continuamos as mesmas pessoas, talvez mais maduras um pouco, mas o que diminui é o potencial. Nossa percepção de tempo cria uma armadilha inescapável.

Libby fala de desejo e achei uma boa abordagem para esse conflito do adulto que deixa de ser jovem:


    "A maneira como desejo e anseio funcionam é que não podemos conseguir o que desejamos, porque, quando conseguimos, não temos mais aquele sentimento."


Isso vale tanto para coisas físicas quanto profissionais, pessoais, românticas. Nos vemos adultos desiludidos porque crescemos pensando que o desejo trará uma recompensa definitiva — quando o que ele traz de verdade é a necessidade de continuar desejando outras coisas.

Eu tenho me sentido linearmente mais desiludido com o passar do tempo. Tenho certeza que não sou só eu. É por isso, inclusive, que a cena que citei chamou tanto minha atenção: três adultos funcionais e razoavelmente resolvidos, com três opções de vida. Todos insatisfeitos.

Se eu entrasse aqui em monetização do desejo ou culpa cristã, o texto ficaria do tamanho de uma noveleta. Mas é por causa desse tipo de coisa na sociedade e em nossos círculos internos que o passar do tempo se torna quase insuportável. Entramos em uma roda de risco e recompensa para não perder um sentimento que não é permanente em seu estado natural. É inclusive uma das conclusões de Libby nessa cena:


    “Estou preocupada que a única maneira de sentir algo seja quando as coisas estão ruins. E eu não sei aonde isso me leva.”


O que fazer então se o desejo se torna uma armadilha? Se aceitamos até mesmo fazer escolhas ruins para não perder o sentimento de potencial? Se você já leu algo que eu escrevi, sabe bem que eu não vou conseguir dar uma resposta. Eu mesmo sou uma bagunça.

Mesmo sabendo disso tudo logicamente, não significa que conseguimos fugir da roda em que nos enfiamos. Aprendemos a contar em ordem. Aprendemos a seguir a estabilidade dos 3 atos, princípio, meio e fim. A diferença é que, na vida, não dá para contar quantas páginas o livro tem, ou quantos minutos é a duração do filme. De um ponto de vista egocêntrico, a gente não termina porque vamos embora antes dos créditos.

Enquanto eu me aproximo a passos largos da crise de meia idade, eu vejo sobre o que é todo essa comoção. Talvez a gente vire adulto de verdade apenas quando o potencial não disfarça mais nossos defeitos e temos que viver com eles sem desculpas, sem disfarces. No último episódio da série, Libby faz uma reflexão final sobre seu dilema:


    “Mas como aceitar o fato de que você tinha escolhas ilimitadas e não as tem mais?”


É uma pergunta que dói demais em quem está passando pela mesma fase. É possível viver com isso? Não é impossível, mas não é fácil também. Daí vem as loucuras que as pessoas fazem para se sentirem com mais controle sobre as próprias vidas. É tentar estender a sensação de ter algo que nunca tivemos para começo de história.

Mas também é libertador, não deixa de ser. É ver como o mito do adulto resolvido cai por terra. Na série, nenhum personagem é uma boa pessoa. São péssimas pessoas. São principalmente egoístas. Claro, é muito difícil deixar de ser egoísta quando você se vê sem controle. Você o quer para você, mesmo que seja impossível. Inalcançável.

Pensando bem, talvez seja este o desejo definitivo. Talvez seja esta a origem de todo nosso desespero.


Por fim, faltou dizer algo que só descobri depois: a série é baseada em um livro de Taffy Brodesser-Akner. Pelas avaliações apenas, parece que a adaptação conseguiu um bom serviço em condensar as ideias e focar os personagens. Mas isso é opinião de segunda mão. Só lendo para saber.





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