Sacrificando ideias mancas

Imagem de criança triste com uma arma na mão

Na primeira vez que uma ideia estala na cabeça, ela sempre parece especial. Um evento mágico, uma paixão entre dois neurônios que te faz acreditar em amor à primeira vista, uma sensação de completude em um universo incompleto, sendo que só você encontrou essa chave para um lugar melhor.

Geralmente, na segunda vez, você percebe que a ideia é horrível.

Bom, eu só posso contar do meu ponto de vista, claro, e principalmente das ideias de coisas para escrever. Ficção e não-ficção. Nesse contexto pelo menos, 90% das ideias que eu tenho me parecem terríveis. Outras 10% vão para frente, embora 9% dessas vão mostrar seu potencial perdido com o tempo. Tem o 1% que vira conteúdo de fato, mas essas privilegiadas não precisam de mais atenção do que já têm. Então vamos falar daquelas que nunca veem a luz do dia.


Sabendo a hora de parar

Essa introdução foi meio confusa e eu queria dizer que foi de propósito, mas é apenas a criação espontânea de metalinguagem. Quando a ideia sobre este texto veio na minha cabeça, achei que daria um ponto interessante de discussão. Mas logo no terceiro parágrafo o brilho dela se foi aqui estamos, eu e você, com a versão opaca e incompleta.

Mas estou de novo saindo do trilho.

Toda ideia passa por um processo similar ao de raciocínio lógico: você parte de uma hipótese, testa essa hipótese na prática e continua com ela ou a descarta dependendo de como se parece. É o famoso tirar do papel e ver se fica em pé por conta própria.

O problema é que, pelo menos para mim, sempre foi muito difícil saber a hora certa de abandonar uma ideia que mal consegue dar dois passos sem eu ter que segurar na mão. Eu espero que ela engatinhe, que ela vacile, dou chances demais. E quanto mais chances dou, mais complicado fica deixar uma ideia para trás.

É nesse pique que eu terminei com livros inteiros escritos que nunca foram pra lugar nenhum. Seguindo muito conselho do tipo "não importa o que você ache, termine".

Eu acho que esse pensamento tem muito valor sim. Já tive muitas ideias em forma de U, que depois de parecerem horríveis na prática acabaram dando a volta e se mostrando interessantes. E é muito difícil ter uma separação ideal de algo que você faz antes de fazer. Tenho certeza que nenhuma obra prima na história parecia assim, uma obra prima, na cabeça do artista antes de fazer.

Isso acaba sendo realmente uma decisão muito difícil. Encontrar os sinais de que uma ideia não está funcionando ou se não é só caso de insistir mais um pouco. Eu queria ter alguma dica para dar nesse sentido, mas eu mesmo tenho resultados inconsistentes demais pra enxergar qualquer padrão.

Já tive histórias que fiquei feliz de continuar mesmo me forçando a isso, outras que senti um alívio e nada de arrependimento quando abandonei. O que será que mostra a hora certa de parar com um caminho e testar outros? Isso acaba valendo para tanta coisa na vida que me intimida um pouco.

Instinto, coração, feeling, indicador de performance, numerologia, nada disso vai apontar uma resposta que esteja sempre certa para qualquer ideia, qualquer plano, qualquer expectativa.

Recentemente, eu estava escrevendo uma história nem tão grande assim. Eu estava me forçando a continuar porque tinha medo de que "vai que esta é a história que vai fazer coisas acontecerem para mim". Mas algo nela não parecia certo. E por mais que eu empurrasse para frente, era sempre com um peso maior do que deveria ter.

Então, eu finalmente tomei a decisão de parar e ir para outra coisa. Foi um alívio, foi uma decisão certa. Mas e se essa era a história que ia fazer as coisas acontecerem para mim?

Toda decisão na vida costuma cortar um caminho e, sem acesso a ele, nunca saberemos 100% qual era a decisão certa. O "e se" acaba se tornando o fantasma universal, um lençol branco que cobre o mundo inteiro.


Ressuscitando fantasmas

Acho que terminei mais alarmista do que queria, então é uma boa fazer um contraponto ao fantasma do "e se". Assim como todos nós sabemos, basta uma vela e qualquer ritual muito complexo para ressuscitar qualquer espírito (carece de fontes).

Ao mesmo tempo que abandonava essa história, o sussurro de outra voltou bem baixinho na minha cabeça, de assombração que acabou de acordar. Uma ideia que abandonei porque parecia certo, mas que agora me parece certo voltar a ela.

Um ditado bem velho diz que tudo tem seu tempo. E diferente de nós, as ideias podem ter quantas vidas forem preciso para dizer que suas vidas se tornaram completas. Talvez seja a hora agora de completar essa. E de pensar que abandonar ideias, projetos, e qualquer outra coisa nem sempre é uma decisão definitiva. Às vezes é só a sua prioridade que precisa estar em outro lugar agora.




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