Desejar o bem invejando a quem


Cena do clipe de Driver's License, de Olivia Rodrigo

Esses dias eu estava ouvindo o álbum Sour da Olivia Isabel Rodrigo, cantora com 7 indicações ao Grammy, mas, mais incrível do que isso, 3 primeiros nomes.

Por "esses dias" eu quero dizer vários dias ao longo de 2021, mas isso não vem ao caso agora. O que me fez começar a pensar sobre este texto que vos fala foi especificamente um refrão da música happier, especificamente o último verso:

Oh, I hope you're happy, but not like how you were with me

I'm selfish, I know, I can't let you go

So find someone great but don't find no one better

I hope you're happy, but don't be happier

Eu espero que você esteja feliz, mas não mais feliz [do que era comigo]. É uma frase simples, mas que carrega tanto significado que dá vontade de falar sobre. Esse é o poder que as palavras têm.

Então, lá vou eu falar sobre.

A inveja sempre teve na minha cabeça uma relação direta com a culpa cristã, que é apegada demais à palavra "cobiça". Essa visão negativa é tão forte que ela até arrumou seu lugar entre os 7 pecados capitais e um slogan bem marcante: inveja mata.

O problema é que essa visão da inveja tem muito a ver com seu pareamento com comportamentos obsessivos. Quando a pessoa absorve a vida de outra para ela e transforma um indivíduo em um ideal.

Só que, embora todo mundo sinta inveja em algum momento, esses casos graves são bem raros. E aí o sentimento geral ganha a fama pelas exceções. Quase ninguém que sente inveja quer o mal da pessoa invejada. A gente nem sequer queria sentir isso se tivesse escolha.

Por isso eu me peguei pensando tanto sobre esse verso. Foi perceber que não é tão comum assim ouvir pessoas assumindo uma posição egoísta como algo que não pode ser evitado. Claro, é uma música que possui o escudo da expressão artística. Não acho que alguém falaria assim diretamente para alguém, mas enfim.

O verso me fez trouxe dois pontos que parecem realmente muito conectados com a própria filosofia cristã:

  • de um lado, que nós temos controle direto e completo sobre nossos sentimentos e que, por isso, temos responsabilidade de sentir apenas aqueles que são nobres;
  • de outro, que sentimentos considerados ruins, ou pecados, são indicadores diretos de nossa "ruindade" como pessoas.

O que isso faz, claro, é nos forçar a reprimir esses sentimentos e enganar a nós mesmos dizendo que eles não existem ou que podemos controlá-los. Mas para pra pensar, você algum dia conseguiu deixar de sentir algo por vontade própria? Eu nunca.

A verdade é que é perfeitamente normal, depois do término de um relacionamento, que você queria que a pessoa não esteja tão bem assim, mesmo que não queira vê-la. Feliz, mas não mais feliz. Ou os parentes falando do primo rico e desejar que ele tenha um probleminha pra variar. Algo pequeno, vai. Um carro estragado ou um problema elétrico.

Isso não significa que você quer o mal da pessoa ou que você seja uma pessoa má. É apenas uma falha da maneira que pensamos, sempre buscando padrões de comparação no mundo externo para delimitar o mundo interno.

Infelizmente, a culpa cristã gera esse tipo de situação. A pessoa foca tanto em não sentir uma emoção considerada ruim que acaba agindo de maneira ruim para acobertar o próprio sentimento — o que é ainda pior.

Afinal, nós não temos controle sobre o que sentimos, mas, até certo ponto, temos sobre o que fazemos a respeito desse sentimento. Querer que alguém não esteja melhor que você, ou até melhor sem você, não tem nada de errado. Agir para que isso aconteça tem.

Eu posso dar um exemplo meu disso. Toda vez que vejo alguém divulgando seus livros e comemorando vendas e avaliações, eu fico muito feliz. É um mercado pequeno e difícil. Mas isso não impede que a inveja venha crescendo no estômago como um timelapse de planta no Net Geo. É natural, eu não chego nem perto dessas marcas. Eu mal tenho leitores. Mas invejar não é odiar e sentir não é agir. É só algo que mexe com a autoestima e que, na dose certa, pode me incentivar também. Inclusive a escrever isto agora.

Uma ação movida pela inveja que me faz bem e não faz mal a ninguém.

Se você achou que estou lendo demais em só um verso, aguarde meu post sobre as consequências possíveis na psiquê de uma pessoa que tem 3 primeiros nomes, conectando às origens socioculturais e políticas da monarquia absolutista europeia e o culto à própria imagem de quem coloca o próprio nome nos filhos.

Não, né. Eu não vou fazer isso.




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