Interesses velozes e furiosos

Cena de explosão no filme Velozes e Furiosos


Pode ser um hobby, uma vontade, um interesse em algo específico. O que quer que seja, todo nós temos momentos de foco fervoroso e passageiro em alguma coisa.

Eu, por exemplo, tive uma fase de comprar espadinhas em miniatura. Por quê? Sei lá, elas pareciam legais e eram baratas o suficiente para eu não me sentir mal. Durante alguns meses, ficava sempre passeando no Aliexpress buscando oportunidades de espadinhas que tivessem a ver com peças de entretenimento que eu gostasse e, ao mesmo tempo, custassem mais barato que um sanduíche.

Isso faz uns anos já. A maioria delas tá em algum lugar que eu não sei onde. Hoje em dia, que tá mais difícil sair comprando bugiganga, meu foco está em assistir o máximo de séries de Gundam que eu consigo — gastando meu tempo que definitivamente tá valendo menos do que o dólar.

Bom, mas este texto não é para mostrar meus hobbies completamente bestas. Nem comparar com os seus hobbies bestas. É só uma breve discussão sobre como essa característica tão humana de se apegar a coisas frívolas, porém sentimentais, é um processo constante, rotineiro e provavelmente tem algum fundo de sobrevivência humana.

Não, espera, eu não tenho a mínima especialização para falar sobre isso. Eu só estava querendo falar sobre alguma coisa mesmo.


A paixão eterna que não existe

O que me faz parar para pensar sobre isso foi o livro que estou lendo atualmente, “O Nome do Vento”, de Patrick Rothfuss — um livro gigante que ainda pretendo escrever sobre quando finalmente terminar.

Nele, um bardo com um passado aparentemente épica, conhecido e reverenciado em alguns círculos, conta a história da sua vida e como chegou ao ponto atual de gerenciar uma taverna. Vou deixar os detalhes para depois porque a ideia de agora não é falar sobre isso.

Como um bardo, o protagonista Kvothe tem uma relação de amor eterno com seu alaúde, algo que se encaixa perfeitamente na trama, relaciona-se com a aptidão de tantas pessoas no mundo e é algo perfeitamente plausível. Muita gente encontra esse tipo de relacionamento com objetos e atividades que duram a vida inteira.

Mas aí eu fiquei pensando. É muito difícil histórias de ficção abordarem o que é absurdamente mais comum em nossa vivência: interesses intensos e passageiros, que podem até retornar no futuro mas que nunca são perenes.

Dá até para fazer um paralelo com relacionamentos. Com a graduação de sentimentos entre a paixão e sua transformação em amor e companheirismo. Paixão que se reacende várias vezes com o passar do tempo, mas que nunca vem da mesma forma, sob as mesmas circunstâncias. Por que será que essa nossa característica é tão pouco abordada em histórias? Acho que infelizmente tem a ver com o formato.


Felizes para sempre (ou até o próximo hobby)

Quando eu estava pensando nisso, me veio na hora a ideia do “felizes para sempre”, e talvez a noção de que essa seja uma limitação inerente ao ato de contar uma história. A não ser que o autor esteja disposto a contar a vida inteira de uma pessoa, a narrativa sempre será um recorte. E recortes sempre serão um limite.

Por isso, acaba sendo realmente mais fácil se apoiar nos interesses intermináveis. As paixões que se transformam em uma coisa tão rara: alguém que tem um direcionamento claro e uma relação sem fim com determinada atividade. Pessoas que nasceram para aquilo e nunca tiveram dúvidas sobre isso.

Infelizmente, essa é uma visão que acaba passando para nós como algo muito mais normalizado do que realmente é. Quem você conhece que encontrou uma paixão na infância e seguiu nela para sempre? Quem sabia o que fazer desde 12 anos e hoje tem 45 fazendo exatamente isso?

É o tipo de coisa que se vê muito na TV, nas histórias reais e ficcionais. Mas é muito mais raro na convivência geral com outras pessoas. Seus amigos, seus familiares.

Esse é o padrão de interesses que provavelmente seguiremos a vida inteira. Se nós mudamos, é claro que gostos e afinidades vão mudar também. E não há nada de errado em chegar a um ponto avançado de relacionamento com uma pessoa, um hobby ou um trabalho e pensar “quer saber, isso não é para mim”. É uma saída perfeitamente aceitável. Muitas vezes, mais desejável do que insistir em algo que não faz mais sentido.

Talvez até a resistência a mudar venha de consumir tantos recortes de “felizes para sempre”. Pautar a totalidade da sua vida em frações de outras.

Como autor, eu fico pensando se não seria divertido usar essa ideia como exercício. Poder apresentar, mesmo nas limitações de um recorte, a forma como às vezes a paixão arrefece e não sobra nem um amor para sustentar aquele interesse.

Mesmo que de passagem, quando isso é trabalhado na narrativa, dá um ponto de referência para que o leitor imagine por conta própria a possibilidade de que algo igual aconteça depois que a história termina. Por que, com certeza, os relacionamentos mudam. Muitas vezes terminam. Com pessoas, com o trabalho, com aptidões e com a vontade de comprar espadinhas.





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