Loki: Discutir ciência em viagem do tempo é um desperdício

Imagem da versão jacaré de Loki na série
Este post contém spoilers da primeira temporada de Loki.


Aproximadamente 98,73% das pessoas do mundo em algum momento da vida imaginam o que fariam se pudessem voltar no passado ou ir para o futuro*. Então, não é estranho ver tantos livros e filmes e jogos falaram sobre viagem no tempo e realidades paralelas. Será que dá para dizer que é algo que faz parte da natureza humana?

Eu acho que nunca tinha pensado por esse lado até hoje. Eu sou do tipo de pessoa que discute tipos de viagem no tempo e como elas se encaixam de maneira verossímil em narrativas de um jeito que tem lógica ou não para a própria regra definida. Parecia o ponto mais interessante nesse tipo de ideia.


Bem, nunca se é velho demais para admitir algumas coisas. Eu estou aqui hoje para admitir que eu sou um idiota.

Pera, não é isso.

Como Loki me pegou no contrapé

A primeira temporada da série Loki é uma amostra de como o MCU alcançou um nível inédito na história de TV e cinema. É um universo que passa de um tema militarista e patriota em Falcão e o Soldado Invernal para uma alta fantasia neon com magia e multiverso sem perder a linha que conecta todas essas histórias. Gostar ou não é subjetivo, mas na parte objetiva de contar uma narrativa, isso é realmente incrível.

E como já estamos nesse estágio faz um tempo, eu achei que sabia o que esperar de Loki. E os primeiros episódios confirmaram minhas expectativas: uma agência do tempo que quer impedir ramificações inesperadas que criem novos universos paralelos.

Mas algo aconteceu ao longo desses capítulos. No começo, minhas teorias eram todas tentando adivinhar o que era mesmo aquele lugar, quem eram os guardiões do tempo, como Loki ia escapar criando ou destruindo realidades.

Só que muitas outras surgiram depois para substituir essas. Teorias sobre quem mentia, quem esquematizava, quem manipulava, quem sofria. Teorias sobre como essas pessoas conseguiriam viver depois que a realidade delas mudava, o que isso significaria para elas por elas mesmas, não dentro do grande esquema temporal das coisas.

É um vício de consumo desse tipo de história que foi se pondo à prova a cada episódio. Vício de discutir se você altera o tempo ao alterar algo no passado, se quando você faz algo que muda o futuro aquilo está sempre destinado a ser feito, esse tipo de coisa.

Isso ainda é super válido, claro. Mas eu me percebi olhando de uma maneira nova para esse clichê de narrativa vendo Loki. Um pouco diferente do que eu estava acostumado. E é por isso que eu coloco essa série entre uma das minhas coisas favoritas feitas pela Marvel.

Se eu mudo o tempo, o tempo me muda?

Isto que vou falar aqui talvez não seja uma novidade para todo mundo. Talvez seja só para mim, eu tenho um histórico de ser lerdinho desse jeito. Mas vamos falar sobre o que realmente me impactou em Loki.

Eu vejo, ou apenas percebo, que essas histórias focam em consequências da própria viagem no tempo ou entre realidades no mundo e no agente da mudança. O que acontece estraga a vida do protagonista ou algo assim, e a experimentação de possibilidades se torna um tipo de epifania. "Tudo que eu vivi valeu a pena mesmo com os problemas", "O tempo é absoluto e mexer com ele é mau", e por aí vai.

Loki definitivamente não perde tempo com a ciência do multiverso e também não faz questão desse tipo de reflexão. O núcleo narrativo dele vai muito mais para a discussão do livre arbítrio. E, embora esse também seja um tema comum nesse tipo de história, a forma como ele abordou me tocou muito. 

O que eu achei mais incrível nesta série foi como a busca por manter a realidade cimentada e imutável foi exatamente o que causou a mudança da própria realidade dos personagens.

Se você para pra pensar, acho que todos nós temos momentos assim na vida. Em que um acontecimento, uma notícia ou uma virada brusca de fatos parece te jogar em uma realidade paralela. Sua vida não parece mais a mesma, às vezes nem você parece o você de antes.

A descoberta da verdade sobre todos os funcionários da TVA serem variantes demonstra bem isso. Pessoas que sempre tiveram como garantida uma realidade veem ela se alterar completamente sem desviar da linha do tempo. Se tornam variantes delas mesmas. E, nossa, como é difícil lidar com isso.

A batalha de identidades

Toda essa discussão se fecha perfeitamente para mim em uma cena maravilhosa no último episódio. Um diálogo de exatos 10 minutos, sem cortes para outras tramas, sem interrupções, sem algo acontecendo no meio do caminho. No encontro entre Loki, Sylvie e Aquele Que Permanece, toda o arco dos dois protagonistas é colocado à prova pela simples constatação de que controlar tudo significa perder a capacidade de mudar.

Sim, eu sei que eu sou suspeito por gostar muito de diálogos. Sei também que é apenas mais uma discussão sobre paradoxos temporais e livre arbítrio. Nada exatamente novo. Mas o enfoque dado para essa conversa vai muito mais fundo do que isso.

Ela chega na nossa própria natureza conflitante de seres humanos. De querermos segurança sobre o futuro sem querer que ele seja inevitável.

Quer dizer, a gente quer controle total das nossas vidas mesmo? Eu não confio muito em mim para isso. Mas ao mesmo tempo, o sentido de viver parece se perder completamente quando viver é um playback.

Esta cena é a grande batalha da série como se tem em todos os filmes de super heróis. Mas ele não se resolve por quem dá o soco mais forte ou solta o raio mais legal, e sim por quem consegue manter sua identidade de pé mesmo com suas crenças derrubadas.

Sylvie vence sem usar uma fração do que é capaz fisicamente. E Loki não perde por que é mais fraco, menos inteligente ou menos resoluto. A luta é decidida em um momento de hesitação, de conflito entre o que Loki já foi e o que Loki se tornou.

Um tipo de luta em que não há mocinho e bandido, nem vencedor e perdedor. Há a transformação de todo mundo. Não seríamos nós um tipo de multiverso de nós mesmos?


*pesquisa realizada em 14 de julho de 2021, espontaneamente consultando 1283 pessoas hipotéticas na minha cabeça. Há uma margem de erro de todos os pontos percentuais possíveis para mais ou para menos.




Postar um comentário

0 Comentários