Eu não sou uma pessoa com sonhos particularmente vívidos. Daqueles que me lembro, há uma conexão bem fácil de se fazer entre as memórias do dia anterior, as preocupações do seguinte e as vivências atemporais dentro de um liquidificador potente. Se o sonho fica comigo, ele fica como uma nota feita para um assunto que já se perdeu.
Nessa noite em específico, o sonho não era memorável. Consigo recordar pessoas, mas nenhuma ameaça concreta ou senso de urgência. O que havia era apenas uma sensação que parecia me inquietar dentro e fora da cabeça.
E você já deve ter percebido que um distúrbio no sonho se torna névoa, se torna água agitada que deixa o que reflete frenético. É uma perturbação na superfície até o ponto em que ela se rompe e abrimos os olhos.
Meu incômodo chegou a esse ponto, mas a superfície do sonho talvez não estivesse pronta para ser atravessada. Abri os olhos.
A noite estava clara ou os meus olhos muito adaptados, pois via claramente o meu quarto, e o corredor depois da porta, e o quarto de frente do outro lado. Trechos de trechos de trechos. Como tudo na noite, a casa era imóvel, sem qualquer sinal de vida.
Imóvel também estava eu.
Quando se tem um episódio de paralisia do sono pela primeira vez, o terror é quase que insuperável, insuportável naqueles segundos. Porém, com o passar das repetições, o cérebro se prepara para racionalizar o que estava acontecendo.
É uma condição perfeitamente normal. Das outras vezes, havia o mesmo nervoso de não conseguir mexer o corpo por mais que o cérebro comande. Havia o mesmo limbo de não conseguir acordar ou voltar a dormir de vez. Eu aguento, é só ter tranquilidade e esperar. E respirar com calma.
Mas algo estava diferente dessa vez. A paralisia era mais como uma pressão, como se algo me segurasse. E a casa vazia parecia uma presença por ela própria. A imobilidade do mundo uma ameaça.
Nada disso, no entanto, foi algo que me tirasse da serenidade de usar a lógica. É só uma paralisia do sono, no meio do caminho entre dormir e acordar. Era fácil explicar até ouvir uma voz chamar meu nome.
"Guilherme," foi o sussurro lento no meu ouvido.
Houve uma ênfase no primeiro "e", sutilmente alongado. É o tipo de detalhe que os sonhos não possuem, um tipo de peso que apenas a realidade e as memórias mais intensas produzem. Uma ênfase que veio de um vacilo na voz que sussurrava, como se usasse ar demais para suprimir o volume que causou uma tremulação nas cordas vocais. O ar que arranha a vogal. O ar que eu senti no meu pescoço. O peso que tornava o sonho real.
Naquele momento ficou claro que o quarto estava vazio para meus olhos, mas isso não significava a ausência de tudo. Ou de alguém. O sussurrar do meu nome fez meu corpo se estremecer e nem mesmo o grito do meu cérebro pedindo para fugir foi força o suficiente para fazer meus membros se libertarem.
Algo, definitivamente algo fora de mim, estava me segurando.
Os únicos músculos do qual tinha controle ficavam no peito e nas pálpebras. Apertei os olhos com força e concentrei o resto de lógica que tinha na minha respiração.
Um.
Dois.
Três.
Ao expirar pela terceira vez, senti a pressão ir embora. A presença que me apertava me libertou de seu abraço e um outro leve sopro frio percorreu meu corpo. Como uma brisa, mas debaixo do edredom. Meus músculos relaxaram imediatamente e abri os olhos novamente, agora totalmente desperto.
Não havia presença na noite. Era só eu deitado e o resto da casa. Trechos de trechos de trechos. Poderia até dar um pequeno conto de terror interessante, mas é apenas a memória do que passei na última noite.
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