A vida é um trem estranho

 

Homem deixando o trem na plataforma


Antes de começar, dois avisos:

  1. como mineiro, preciso afirmar para motivos de desambiguação que o trem, no caso, é realmente um trem. Não é uma coisa. Quer dizer, um trem é uma coisa. Mas a coisa neste caso é necessariamente um trem. O trem, aqui, é um trem. Que não é uma coisaVOCÊ ENTENDEU;
  2. o trem citado também não é um trem-bala parceiro. Eu não sou passageiro prestes a partir, ele já partiu faz tempo e eu só quero encontrar o freio de emergência.

Dito isso, comecemos.

Quando a gente passa muito tempo criando histórias, tende a pensar muito sobre causa e consequência. Sobre eventos, decisões diante esses eventos, ações diante essas decisões e o resultado diante essas ações. Parece bem simples, na verdade. Mas por que, então, quando você simplesmente segue essa linha tão retinha, a história fica chata?

A resposta também não é difícil. Quando as consequências são conectadas diretamente às causas, uma trama se torna muito previsível. As cenas se tornam muito arbitrárias.

O que qualquer pessoa criando uma história tenta fazer é incluir mais do que essa relação entre o feito e o efeito no desenrolar da narrativa. Existem informações ocultas, coisas que não saem como o esperado, influência das decisões de outras pessoas. Afinal, é o que torna uma narrativa rica como é a vida e permite que o leitor se coloque no lugar daqueles personagens.


Então, por que na vida real tanta gente ainda fala em meritocracia se as mesmas reclamariam de um livro que fosse previsível assim?


Da minha infância até o começo da faculdade, minha vida pareceu como um trem. Pontual, confiável, suave. Eu podia gastar horas olhando para a paisagem lá fora que sabia que, de alguma forma, chegaria ao meu destino. Isso era o que eu pensava, e eu fui muito privilegiado por ter esse itinerário definido por tanto tempo.

Mas chegou um momento para mim que chega para a grande maioria das pessoas. Durante a faculdade, enquanto eu observava uma vaca malhada mastigando ao pé da colina, veio um solavanco. Primeiro achei que não era nada. Só que o próximo foi mais forte, e mais forte, até eu perceber o que estava acontecendo.

Os trilhos desapareceram debaixo do trem. Se fosse na ficção, a consequência lógica seria um descarrilamento completo e definitivo, mas a vida não é tão direta assim. O trem da vida é uma coisa estranha. Ele continua em frente não importa o que você faça. A diferença está no caminho e no preparo do maquinista.

Bom, eu não tinha tanto. Principalmente as ferramentas mentais para não despedaçar com tanta turbulência. Consertar um trem em movimento pode ser um desafio quando ele magicamente está desgovernado sem destino.

O que eu venho aprendendo com o tempo é que, para mim, a vida não é tanto sobre manter-se nos trilhos e escolher o lado certo na bifurcação. É tomar as melhores decisões de caminho baseadas no que se pode analisar e manter-se em movimento depois da curva. É também parar de vez em quando em uma estação que pareça segura para reavaliar o caminho.

Acho que depois de um tempo escrevendo histórias eu consigo lidar melhor com as minhas escolhas e suas consequências. Se a personagem faz uma opção completamente racional e plausível e eu, autor cruel, tiro dela o sucesso, como posso achar que eu tenho mais controle que ela na minha vida?

Sem querer parecer existencial demais, mas essa é a beleza melancólica que a gente presencia todos os dias. A paisagem é linda e vale a pena admirar mesmo quando seu trem está fazendo um drift à beira de um abismo.

Fazer as melhores escolhas possíveis é o máximo que podemos fazer. Tem gente que nunca vai sair do trilho na vida e não vai se preocupar com isso. Tem gente que já nasce em um avião. Isso não é mérito. O mérito mesmo está em nosso poder de manter o trem andando, mesmo que você não faça ideia de para onde ele está indo.





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