Esses dias (todos os dias) eu pensei bastante sobre o futuro, com aquele terror padrão que você com certeza já conhecia ou passou a se familiarizar em 2020.
Pois é, não tem nada de estável para nós agora. Não na daqui duas semanas, imagina daqui dois anos. A verdade é que meus planos hoje estão tão confiáveis como prever o tempo no mês que vem.
Mas, além disso, eu tenho me conhecido melhor em alguns aspectos exatamente por conta dessa dificuldade em me planejar. Pelo medo, pela ansiedade, pela instabilidade que está mais perto de mim do que nunca esteve. Aí eu resolvi falar um pouquinho sobre isso.
Medos a curto prazo, dormência a longo prazo
De aparência física e aparência social eu nunca tive muito o que dizer sobre mim. Sou perfeitamente consciente dos privilégios de ser um homem branco de classe média no Brasil, ao mesmo tempo sem qualquer característica que me destaque.
Mas existe uma coisinha que eu odeio em mim de verdade: a minha postura. Desde criança, mesmo quando celulares mal existiam no mundo, eu já tinha uma dificuldade grande em me manter ereto.
Talvez seja a combinação de uma cabeça grande demais com um pescoço mais longo do que deveria, mas aí eu estaria entrando na espiral de insegurança com o corpo. Melhor seguir em frente.
A verdade é que eu me acostumei desde cedo a olhar para os pés, para o chão, para o caminho imediatamente à minha frente.
Quando você cresce assim, tem uma visão bem particular do mundo a sua volta. Por um lado, a caminhada não traz sustos. Você não tropeça, não pisa no cocô do cachorro, não pisa em falso e torce o tornozelo. É seguro.
Só que em troca você perde outras habilidades, como olhar nos olhos das pessoas, avaliar os caminhos possíveis, evitar bater num poste por que se distraiu com uma música do McFly (veja bem eu NUNCA faria isso, tá?).
Crescer olhando para meus pés foi como crescer em meu próprio mundo. Um círculo autossuficiente de nariz tocando no dedão.
E assim eu me acostumei durante a infância, a adolescência, a época de faculdade, a ser guiado. A fazer o que esperavam de mim usando as ferramentas que me davam.
Isso me levou ao que eu chamo de "grande depressão de 2010" e a origem de eu estar aqui agora escrevendo, mas essa é uma história grande demais, que merece seu próprio espaço.
Hoje, contra todos os meus instintos criados por um corpo que cresce em uma imagem só, estou sendo obrigado erguer meu corpo e sentar direito na cadeira da vida — ler isso com eco. Ser adulto e toda essa bobagem que falam por aí.
A questão é que geralmente não somos equipados para lidar com o que vem no futuro, porque só podemos ser equipados baseado no que foi preciso no passado. Por um lado, não é nossa culpa ter ansiedade e não saber o que fazer do tempo que chega. Por outro, é nossa responsabilidade pelo menos tentar.
Eu venho tentando, sabe? Muito. Abraçar a instabilidade e aprender que ela nunca vai embora. Enquanto eu crescia olhando para os pés, a ideia era sempre de que "vou fazer isso quando tiver mais seguro, mais estável". Cada dia mais me convenço de que esse momento nunca chega. Se chegar, no máximo é para tomar um cafezinho, bater um papo e ir embora.
A arte de planejar sem ter planos
Neste exato momento eu tenho planos para o futuro. Muitos deles. Eu tenho curiosidade de voltar neste texto em 2028 e ver o que eu acho do resultado depois do tempo ter decorrido. Não como uma revisão de promessa de fim de ano, com cobrança. Algo mais como um documento histórico de mim mesmo.
Mas, agora, eu tenho que pensar neles com todo o potencial de algo que não aconteceu. Eu tenho que olhar para a frente mesmo sabendo que a calçada é muito irregular.
A minha arte de planejar sem ter planos é pensar no que é factível, no que eu estou equipado para fazer agora e continuar andando — mesmo que o mapa do caminho esteja mais doido que o Waze no modo "tio que conhece as ruas do bairro e parece estar realmente passando em CADA UMA elas para evitar cinco minutos de trânsito na avenida".
Portanto, eu tenho deixado de lado um pouco o grande esquema das coisas, ao mesmo tempo que levanto o olhar um pouco e estico a coluna. Um meio do caminho entre olhar só para baixo e olhar só para o horizonte.
Parece uma tática que funciona por agora. Objetivos que podem levar a objetivos maiores, mas não necessariamente. Até porque o futuro teima em não ser necessariamente o que a gente quer. De dar até aquela impressão terrível de que talvez nós não sejamos necessários nele.
Mas somos. Eu e você. Basta caminhar com cuidado, mas com o nível possível de decisão que você tenha agora — seja lá qual for.
PS.: Tem um truque muito bom quando você quer fazer uma previsão do tempo e acertar 100%: "hoje o dia será claro a parcialmente nublado, com possibilidade de chuva."
Pronto, você cobriu todas as possibilidades.
PS2.: Mas ainda me resta aquele medinho no fundo de que do nada comece a nevar. Sei lá, é 2020. Não seria muito fora do roteiro.
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