Analogias que não funcionam na Terra plana

Linha do horizonte entre o mar e o céu

Imagine que você more em um país em que nada mais faz sentido a não ser a certeza de que vai fazer menos sentido ainda na próxima semana.

Eu sei, é difícil, muito longe da sua realidade atual. Mas tente.

Imagine então que a sua única saída é fugir. Você quer ir para Angola, aproveitar que já domina a língua, só que você não tem dinheiro para o avião. Sim, sua única alternativa possível é atravessar o Atlântico a nado.

Com muito esforço você consegue chegar até Guarapari. Desvia da horda de mineiros que deveria estar em casa, mas que se dane. Você passa correndo por eles, sente o calor da areia nos pés e, assim como a Elsa sem um cavalo de água, se joga ao mar e começa a nadar.

Nas primeiras braçadas, você sente o prazer do desafio. Finalmente fazendo o que todos falaram ser impossível (e é, não tente isso). Com respiração controlada, você estabelece um ritmo e tem certeza de que nunca irá se cansar (afinal, é uma analogia, não a vida real na qual você já teria provavelmente morrido).

Mas o prazer inicial passa. Você continua nadando e o horizonte continua igual. Você mira seu objetivo e ele nunca chega.

Porque, como a Terra não é plana, o horizonte nunca chega mesmo.

É nessa hora que a maioria das pessoas desanima, desiste. Eu incluso nisso. Mas isso porque continuamos mirando o infinito que há a nossa frente e não olhamos para trás.

Olhe para trás.

É só nesse momento que você percebe o quanto a praia já ficou distante — e, mais importante, os mineiros.


Eu gosto tanto dessa analogia que eu não sei se fui eu que inventei ou vi em algum lugar. Por razões legais, vamos dizer que é o segundo caso. Ela se assemelha muito ao discurso famoso de ligar os pontos do Steve Jobs, mas com um storytelling muito mais imersivo — tem suspense, ação, tem Guarapari.

E eu estava pensando nela esses dias e como, mesmo sendo seu inventor (afirmação carece de fontes), eu entro em longos períodos de braçadas desesperadas, exaurindo meu corpo e sem me dar a chance de parar e olhar para trás.

Mais do que isso, enquanto eu aplico essa analogia a um momento em que estou tentando aos pouquinhos tirar uma história do peito, encontrei o gancho perfeito para falar sobre como ela pode também contribuir com a construção de personagens. Então, deixa eu falar das duas coisas.

Analogia da praia na minha vida


Você já deve ter ouvido falar bastante sobre a curva em U do aprendizado e todas essas coisas, então eu vou passar reto por isso. Quanto mais evoluímos em qualquer coisa, mais exigentes ficamos e mais críticos quanto à nossa própria evolução. E a frustração de não ser tudo tão incrível e novo quanto no começo nos leva a nos pressionar mais, a não desgrudar os olhos do objetivo que colocamos.

Nos últimos anos, eu tenho buscado muito fazer pausas forçadas para olhar o quanto a praia já ficou para trás. Principalmente no que é a minha maior paixão e ganha pão chamado colocar essas palavras aqui uma na frente da outra.

Acho que o maior desafio desse processo é exatamente aceitar o tanto que eu evoluí sem perceber. É não ter uma visão amarga e estagnada de mim mesmo e permitir que os erros hoje ainda sejam o mesmo processo de aprendizado que eu iniciei faz tanto tempo.

Afinal, o Oceano Atlântico é bem assim. Tem dia que está calmo, tem dia que vem uma tempestade. As noites são frias e os dias esquentam a cabeça. Nadar bem hoje não significa que amanhã será melhor. Na Terra redonda, como ela deve ser, o horizonte é um ciclo e não uma linha reta.

Eu já tinha ido até aí com a analogia há um bom tempo. Ela é ótima para usar em festas (imagina o quanto eu sou divertido em festas) e causa aquele momento "uau, que interessante, mas quem é você?". Ainda mais se todo mundo estiver bebendo.

Mas esses dias eu tentava colocar uma nova camada nessa história para refletir um novo momento da minha vida. Será que só olhar para trás de vez em quando basta? Será que eu não tenho que aproveitar a mesma parada para analisar o horizonte à minha frente com outros olhos?

A lógica até que faz bastante sentido. Se eu persigo o horizonte, eu tenho dois caminhos possíveis:

  1. eu nunca chego nele;
  2. ou eu chego em um certo ponto, dou-me por satisfeito e ajusto uma nova rota.

Quando eu comecei a levar a sério a vontade de escrever, eu tinha um horizonte muito claro para mim: eu escrevo bem, tenho minhas histórias, então não vou descansar até encontrar uma editora que queira me publicar.

Foram alguns anos de braçadas e desespero. E as rejeições começaram a pesar na respiração e o cansaço bateu forte.

Eu demorei muito para entender que tudo que eu estava aprendendo seria útil mesmo que não fosse para meu objetivo inicial. Ou que seguir ventos favoráveis podiam até me fazer chegar lá mesmo que por um caminho mais longo.

Ainda bem que isso vem acontecendo. Ainda bem que eu me permiti pegar uma corrente mais forte para o lado e meu nado ficou mais fácil. Agora, quando olho para trás, não é apenas para ver o tanto que progredi, mas também para onde toda essa progressão pode me levar. O máximo que vai acontecer é eu terminar em um lugar inexplorado, ou voltar para onde comecei com toda a experiência adquirida. Afinal, não dá para cair do mundo.

Analogia da praia nas vidas que vêm de mim


Eu prometi para mim mesmo que não ia ficar mais escrevendo sobre mim com frases de efeito e no fim não falar nada como se isso aqui fosse um blog. Deus me livre ter um blog. Então eu vou terminar passando meu vasto conhecimento que faz de mim autoridade máxima no assunto — mesmo tendo acabado de falar que todas as editoras do mundo me rejeitaram.

Você percebeu o tanto que minha analogia ficou complicada no final? É porque, infelizmente, pessoas são coisas muito complicadas. Abraçar isso é o que torna personagens ainda mais interessantes dentro das histórias.

Quando você vai desenvolver heróis, vilões, sonhadores, realistas, criaturas mágicas ou uma pessoa indo para o trabalho, pense que elas também estariam buscando o melhor ritmo de braçada como nós fazemos.

É muito comum cairmos em arcos definitivos. Personagens que têm um objetivo e o fim da história é a falha ou o sucesso em relação a ele. A analogia da praia é ótima para quebrar essa armadilha, porque eles estão fazendo exatamente como nós: seguindo sem parar para olhar para trás.

Se você construiu uma personagem interessante, ela já sabe pensar por conta própria. Se nesse ponto, no meio da história, ela parasse e olhasse para trás, ficaria satisfeita com seu progresso? Será que nessa hora não perceberia que o objetivo que buscava já não faz mais sentido? Que seja melhor alterar seu curso?

E o que essa mudança causaria de consequência para essa pessoa e para quem está em volta? O que isso mudaria na narrativa?

Pensar nesse tipo de situação não só deixa a história mais interessante, mas pode até te tirar da sua zona de conforto e criar caminhos que você nunca imaginou.

E, melhor de tudo, ajuda a tirar a cabeça da sua própria dificuldade de atravessar o Atlântico que é a vida. Eu faço isso o tempo todo agora. 




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