Quarentelog #3


Banco de praça vazio | Foto de Brett Sayles no Pexels

Texto publicado originalmente em 10/04/2020

Ele tinha a mesma sensação otimista que o resto do mundo tinha sobre aquele novo governo global. Uma harmonia, alguma paz. Mas não esperava que uma simples discussão sobre fusos horários levasse o novo poder a cancelar o tempo como um todo. Simples assim, com uma canetada.
Resolveu sair de casa um pouco. Atravessou a rua de pedras até a praça e sentou no banco de frente para seu próprio portão verde.
Nenhum carro passava. Ele era o único do lado de fora. Sua perna balançava sem parar.
É assim mesmo, certo? Pelo menos havia menos ansiedade. Por que ir agora se não existe mais agora? Por que se preocupar com amanhã se o amanhã foi legalmente extinto?
Mas ainda assim era estranho.
Que dia era mesmo?
Terça?
Se existissem os dias, talvez fosse terça.
Foi então que teve uma ideia. Seu dia preferido era o sábado. O horário, pela manhã. Era quando pegava o carro para ir à cidade vizinha, menor ainda, para encontrar pessoas que amava e preparar o almoço juntos. Uma tradição que se repetia toda semana.
Como se planeja algo semanalmente sem o conceito de semana? Será que os dias nunca mais se repetiriam?
E essa foi a ideia. Se o tempo não existia, podia criar o próprio.
“Todo dia a partir de hoje é sábado”, pensou.
Mas não funciona assim.
O sábado existia porque existia a expectativa dos dias anteriores. As memórias nos dias seguintes.
Sentado ali no banco da praça, ele se pegou pensando se a lei daria certo. De certo, não havia mais a ansiedade que o tempo trazia. Ninguém mais parecia temer pelas mudanças que poderiam vir no futuro.
Mas, sem ter pelo que esperar, o medo era que nada mais realmente mudasse.






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