Escutando a conversa dos outros (não de um jeito estranho)

Balão de diálogo - Foto de Miguel Á. Padriñán no Pexels

Esses dias eu estava escrevendo um conto em que toda a substância da história está nos poucos diálogos que ele tinha. Se eu fui bem sucedido, só o futuro irá dizer. Ou não. O futuro me ignora as vezes.

Mas o que ficou na minha cabeça enquanto eu fazia é o quanto eu gosto de desenrolar conversas em texto. Quase tanto quanto ler uma bem feita. E então eu decidi falar um pouquinho sobre o que eu acho que faz um bom diálogo e o que faz um diálogo terrível.

Veja bem, eu não sou nenhuma autoridade no assunto. Minha única experiência relevante é falar sem parar quando estou nervoso e o silêncio parece julgamento.

Se for o suficiente para você, o texto também pode ser.

O desafio de escrever diálogos

Eu queria muito lembrar de tudo que já li sobre o tema para poder citar aqui, mas tenho medo de voltar às fontes e perceber que estou fazendo tudo errado. Vai que eu interpretei mal uma dica e isso me condenou para sempre.

Quem é que volta para ver essas coisas depois?

Então, pela preguiça ou pela vontade de tirar isso da cabeça antes que eu esqueça, queria focar de verdade na minha prática e experiência com o tempo.

O maior desafio na hora de botar uma conversa em texto é que palavras não têm entonação e nem intenção. Não tem um olhar que não se sustenta ou um braço cruzado. É por isso que a maioria dos diálogos que vemos em livros se ancora muito em narração — eu disse enquanto pensava no que colocar no parágrafo seguinte.

É um equilíbrio complicado de encontrar. É preciso levar em conta ritmo, emoção e clareza. As três coisas nem sempre se encaixam como deveriam. A minha ideia então é separar cada um para falar um pouquinho da minha visão sobre essas características.

Diálogo tem que ter ritmo

Acho que falar de ritmo é a parte mais técnica do assunto, em que vale muito mais a insistência e os testes do que uma grande inspiração.

Sim, nada depende tanto assim de inspiração, mas essa é outra história e eu estou me segurando muito aqui para me manter na linha.

A pior coisa que pode acontecer com um diálogo é a monotonia rítmica que não existe na vida real. Pergunta, resposta, pergunta, resposta. Quando noto que estou perdendo o interesse em uma conversa, volto para analisar e quase sempre essa é a razão. 

A melhor forma de entender isso é prestando atenção em interações reais entre pessoas, de preferência estando de fora dela. Talvez em uma roda de amigos que você se permite um minuto para se afastar e observar, talvez em um reality show que tenha menos momentos roteirizados.

O que você vai reparar? Que pessoas se atropelam enquanto falam, respondem as próprias perguntas, ficam mais animadas em falar sobre um assunto e não comentam muito outro.

Principalmente, você vai reparar que toda conversa tem um ritmo dinâmico. Ela sobe e desce como ondas, esquenta e esfria. Existe sempre aquele momento do silêncio constrangedor.

É muito bom ver a diferença quando você consegue transpor isso para o papel (sim, ninguém mais escreve no papel). Mas como emular esse dinamismo?

A princípio, você só tem duas armas para criar seu texto: fala e narração. Portanto, é na fluidez dos dois elementos, na intensidade e na frequência deles que você encontra um ritmo.

O que eu tento fazer geralmente é escrever da forma como vem na cabeça, mesmo que seja mecânico, para então interpretar a cena na minha cabeça e enxergar esses pontos de diferenciação na conversa.

Quando a discussão esquenta, as falas são mais rápidas, sem muita intervenção. Pode ser duas pessoas se retrucando sem parar ou uma pessoa que desabafa tudo que está no peito até quase ficar sem ar.

E então há uma pausa, uma conformidade. É a hora onde eu gosto de explorar a narração, mostrar ações e reações diante do que acabou de ser dito. Afinal, a vida vem em ondas como o mar. Alguém disso isso certa vez. E vale até para a forma como nos comunicamos.

Diálogo tem que ter clareza

Eu tenho que admitir que nunca fui muito fã de verbos dicendi. São aqueles fragmentos utilizados para, introduzir, indicar e mover diálogos escritos — afirma escritor, sem saber exatamente sobre o que está falando. 

Quando eu leio um livro, vou pulando esses verbos com cada vez mais frequência à medida que o livro passa. Prefiro tomar a liberdade de leitor para interpretar da minha maneira se aquele personagem gritaria ou falaria baixo na situação em que está.

Isso acabou influenciando o meu próprio estilo (ui agora eu até inventei que tenho estilo). Eu evito muito verbos dicendi e gosto de tentar transparecer as intenções pelo próprio conteúdo da fala e algumas ações pontuais.

Eu sei que nem sempre faço isso tão bem. O maior caso de cobertor curto aqui é que esses fragmentos em excesso quebram o ritmo da conversa, mas a falta deles pode tirar sua clareza.

Quantas vezes você já não leu um diálogo extenso e se perdeu em quem estava falando? Na mania de pular os verbos, acontece com muita frequência comigo.

É por isso que temos que valorizar muito quem sabe escrever um bom diálogo. É quase um artesanato em que precisamos interlaçar fala com fala por um fio que faça sentido e que pareça natural. Não é à toa que usamos "perder o fio da meada" quando alguém se perde em uma conversa. Estamos bordando um raciocínio a mão.

E só existe uma saída para isso. Para que o escritor possa eliminar enxertos de texto entre as falas, mas sem confundir o leitor.

A solução é deixar bem claro quem está falando. 

Diálogo tem que ter emoção

O maior problema da palavra 'diálogo' é que ela denota uma binaridade que nem sempre vem ao caso. Pense em como você troca uma ideia com os amigos ao vivo, por vídeo ou ligação.

Pessoas têm diferentes personalidades. Algumas falam mais, outras são mais sucintas. Algumas falam mais rápido, outras esquecem muito as palavras. Tem pessoa que sempre desvia do assunto para falar sobre ela mesma. Cada um tem seu estilo.

Criar essas diferenciações para mim é o coração de um bom diálogo. É quando você lê e consegue imaginar uma voz na sua cabeça e como ela transmite aqueles sentimentos daquela forma. É quando a personagem ganha vida.

Muitos escritores gostam de demonstrar isso graficamente nas palavras. Gírias, jeitos únicos de pronunciar, vícios de linguagem. De vez em quando vou por essa linha também, porém nunca achei a melhor abordagem. Nela, você cai em umas armadilhas bem comuns.

Gírias, por exemplo, datam seu texto. Formas de falar podem dar conotações pejorativas para um personagem. Inventar algo muito diferente pode deixar o leitor meio perdido em significados.

É muito mais difícil e, ao mesmo tempo, muito mais sutil focar em personalidades. Quando eu quero escrever uma conversa, geralmente penso muito mais em uma interpretação do que um diálogo real.

Eu mesmo demorei a assumir o conceito antes de perceber que é isso que eu faço na minha mente quando leio um livro. Eu estou sendo diretor da cena, atuando em todos os papeis e fazendo uma fotografia incrível. É por isso inclusive que sempre vai vir alguém dizendo que "o filme é bom, mas o livro é melhor".

Eu percebi que melhorei meus diálogos depois que comecei a pensar neles mais como cenas interpretadas. Comecei a prestar mais atenção em roteiros e nos filmes feitos deles.

Com o suporte audiovisual, é possível estudar e perceber como algumas vezes a fala mais impactante não é dita. Como algumas palavras precisam de mais vontade de sair das nossas bocas do que outras. Como muitas vezes nos enrolamos tentando falar algo porque não queremos falar exatamente o que queremos falar.

É uma dinâmica que quebra expectativas. O ritmo e a clareza sustentam a emoção sem precisar se apoiar nos maneirismos e nos verbos dicendi para todo lado.

Talvez alguém ache muita blasfêmia se inspirar em roteiros para escrever romances. Eu não sei se esse é um ponto sensível na comunidade — afinal, minha participação na comunidade é me esconder de vergonha.

Mas é uma forma de escutar a conversa dos outros com atenção, olhos vidrados e ouvidos atentos, sem parecer um serial killer no rolê e não ser convidado para o próximo.

E é claro, eu não sei se o que eu faço é realmente bom. Na minha cabeça parece, mas nem eu confio muito nela. A questão é que bons diálogos seguram até as histórias mais medianas. E prestar mais atenção em como fazer vem melhorando muito a minha capacidade de contar histórias.




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