Eu queria falar sobre emoções

Eu queria falar sobre emoções - The Cure

Quando eu era criança, me chamavam muito de manteiga derretida. Eu chorava por qualquer coisa e isso aparentemente incomodava as pessoas.

Eu não vou entrar no mérito do “homem não chora” aqui porque o The Cure já falou disso há 180 anos atrás e em forma de música — e pra que ler um texto se você pode ouvir uma música tão gostosinha?

O que eu queria botar em texto é mais um eco do que venho reparando recentemente em algumas outras músicas gostosinhas de ouvir. Desde bem pequenos, nós somos aparados como um corte de cabelo blindado: não chora, não grita, não fala tão baixo, não pula, não interrompe…

Enquanto isso faz parte natural da educação de uma pessoa dentro de uma sociedade que espera uma série de comportamentos normalizados, já parou para pensar como muitos deles são direcionados para a expressão natural humana?

Esse tipo de reforço, de que externar um sentimento é um sinal ruim de personalidade, vem me incomodando cada vez mais com o tempo. Eu não sei se é por que eu estou ficando mais velho ou se é que a glorificação da fortaleza emocional inabalável parece crescer tanto.

Deve ser por que eu tô velho né….

NÉ?

O que é inteligência emocional no fim das contas?

Eu sempre assisti Aprendiz com um gostinho bem específico: o Justus, com seus traços de psicopatia e distanciamento emocional, tem um dom bem engraçado de desarmar essa mesma característica nos participantes, quebrar a confiança de quem tem um discurso pronto e termina gaguejando.

É uma dualidade interessante. Ver pessoas tão preparadas em se expressar se perderem quando precisam realmente se expressar.

Mas, nessa última temporada com influencers, onde vencia sempre quem tinha mais contato (um retrato perfeito de uma terça-feira qualquer), uma pessoa só conseguia fazer eu me retorcer todo quando falava.

Era o novo conselheiro do Justus, um coach tão famoso que esqueci o nome agora. Ele parecia um livro de autoajuda encarnado em uma pessoa, citando uma frase de efeito depois da outra.

E todo episódio ele falava de inteligência emocional: é preciso controlar suas emoções e nunca deixar que ela se sobressaiam à razão.

Pera, quê?

Eu não vou nem pesquisar sobre esse termo que inventaram, mas eu nunca imaginaria que inteligência emocional é não ter emoções. Se for isso, eu sou a pessoa mais inteligente do mundo em física, porque só passei no terceiro ano com uma ajudinha do professor.

Mas esse é um exemplo bem claro sobre o que significa uma emoção para quem hoje dita padrões: uma fraqueza que deve ser suprimida.

Só que minhas aulas de física (que eu quase não passei), ensinavam que essa energia não some, ela tem que ir para algum lugar. Esse lugar, no caso, é uma panela de pressão dentro da cabeça.

E como a gente bebe muito pouco água numa rotina corrida, tá cada vez mais fácil essa panela explodir.

Uma transição de gerações

Eu tenho uma teoria para essa escalada da repressão emocional e das consequências que temos disso, que vai um pouco até além do fato de que emoções são vistas como incompatíveis com estabilidade financeira e sucesso.

Quando eu entrei na escola, no comecinho dos anos 90, existia um plano para mim: estudar, fazer faculdade, arrumar um emprego, aposentar.

Minha escola foi desenhada pensando nisso, a educação que meus pais me deram foi baseada no que deu certo para eles — um modelo bem parecido. A minha ideia de futuro era algo bem simples.

Corta para 20 anos depois. Empregos estáveis são cada vez mais raros, competitivos e podem sumir de uma hora para outra. O noticiário parece uma mistura de cyberpunk com manchetes geradas por uma inteligência artificial ruim. A busca por um futuro está cada vez menos no salário certo, mas na sua capacidade de parecer e aparecer para influenciar, empreender e abraçar todas as palavras da moda.

O termo “gig economy”, economia de bicos, já não parece curioso ou até surpreendente para a maioria das pessoas. Esse é o futuro, o futuro de quem está entrando agora na escola.

E nós que já saímos dela, como ficamos? Nós ganhamos um nome que se tornou pejorativo com o tempo: millenials. Pessoas que não querem nada com a vida, não arrumam um emprego sério e choram por qualquer coisa.

A verdade é que fomos criados para um mundo que não existe mais e é difícil lidar com essa transição.

Passamos anos treinando como andar a cavalo e fomos soltos num mundo cheio de carros. As pessoas com traços de personalidade mais favoráveis a esse tipo de exposição necessária hoje até se deram bem (muito bem!), mas a maioria de nós não é assim.

E o que faz uma pessoa frustrada, sem perspectivas a curto prazo e que foi ensinada que inteligência emocional é não demonstrar emoções? A única diferença aqui é o quanto cada panela aguenta de pressão.

Pode ser que mude, pode ser que não

Eu não tenho mais muita esperança para onde vai a minha vida. Pode ser que tudo dê certo… pode ser que tudo dê médio…. pode ser que não.

Mas eu já fico feliz de que toda essa pressão pareça estar finalmente sendo aliviada do jeito que dá: explodindo na cara de todo mundo e dando uma resetada na forma como pensamos nossas emoções.

As gerações que estão vindo já nasceram em outro mundo, de celulares, redes sociais e a inevitável reportagem anual do Fantástico sobre os empregos que estão deixando de existir.

Mais importante: criadas por quem passou por este momento, talvez elas consigam crescer em uma sociedade em que demonstrar frustração, admitir dificuldades e buscar ajuda sejam coisas normais.

Já pensou que mundo absurdo esse?

Eu comecei a pensar nisso (e é até o que me fez escrever este texto) depois que reparei como as músicas mais recentes tocam no assunto com uma frequência que seria impossível dez anos atrás. É uma mudança tão rápida que a gente logo nota. Olha uns exemplos:

Só vai ser outra vez dentre um milhão
De vezes que o mundo me disse não
Que eu senti inveja, me rebaixei
Que eu me senti um merda, que eu chorei
Que eu não disse nada, ninguém escuta
Que eu engoli a seco, filha da puta
Eu grito alto que você vai pagar
Mas, quem é que eu tô tentando enganar?
Fresno — O arrocha mais triste do mundo
Do you take the time to recognize yourself?
Do you spin like a carousel?
I want you to know that it’s okay to ask for help
We all need help
We all need help
Shouldn’t apologize for just existing
Shouldn’t apologize for just being me
Trying to hide behind all my distractions
Ok when the quiet comes
Audien, Echosmith — Favorite Sound
Quem me quebrou já não importa
E se fui eu, peço desculpas
A quem já se machucou com os cacos
Eu vou limpar essa bagunça
Tô quebrada, mas tem conserto
Não parece, mas tem conserto
Tô capenga, mas tem conserto
Tá difícil, mas tem conserto
Clarice Falcão — Tem conserto
Always wanted to be one of those people in the room
That says something and everyone puts their hand up
Like, “If you’re sad, put your hand up
If you hate someone, put your hand up
If you’re scared, put your hand up”
Julia Michaels feat. Selena Gomez — Anxiety

Quando eu me deparo com cada música assim, eu sinto um pinguinho de esperança. Quer dizer, é bem ruim pensar que para quebrar a fachada de que emoções são secundárias em nós, precisamos bater tantas vezes contra a parede.

Mas depois que a parede racha, essas emoções começam a vazar. Está tudo bem se sentir mal, incapaz, aceitar a insegurança e o nervosismo. Você não precisa sempre aceitar o transtorno, mas precisamos mudar muita coisa para que algo que é considerado transtorno se torne normal.

Atenção! Clichê a seguir:

Afinal, o que é normal?

Fim do clichê.

Quem sabe a aceitação de que emoção não necessariamente precisa ser ligada a uma ideia arcaica de inteligência seja o que precisamos para diminuir essa pressão. Quem sabe as pessoas que ganharam voz no meio desse turbilhão sejam as responsáveis por acalmá-lo.

Então, contra todos os meus instintos, eu termino isto aqui otimista. Otimista de que talvez um dia a gente aprenda a ter um equilíbrio melhor entre o que sentimos e como nos expressamos.

Nós já temos que aprender a trabalhar e viver de uma forma que nunca existiu antes na humanidade. 
Por que não aproveitar que tem que trocar o piso para reformar a cozinha inteira?

(E vamos falar a verdade, manteiga fria é bem sem graça no pão. Prefiro ela derretida)



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