A vida é bem estanha: como a cena do teatro em Before the Storm me fez pensar sobre a vida

Life is Strange: Before the Storm

Este texto pode conter spoilers de Life is Strange e Life is Strange: Before the Storm

Um dia desses eu me peguei pensando muito sobre o medo de palco.

Quê, até parece que você nunca ficou sem dormir até 3h da manhã porque tinha um pensamento muito específico na cabeça. Tão específico que este texto agora nem parece ter tanta substância.

Enfim, seguindo só para tirar isso do peito…

Se a gente para e pensa, o medo de palco não é exatamente o que o nome diz. Não tinha ninguém em 2500 a.C. com medo de subir numa pedra chata com um metro de altura e uma escadinha no canto.

Tentando racionalizar, o medo de palco talvez seja o medo de deixar escapar para os outros quem você é de verdade: uma pessoa insegura e que, quem diria, não sabe de tudo.

Não é estranho pensar por esse lado? Esse é o medo de ser obrigado a uma situação que você não tem controle, quando você não sabe exatamente o que fazer para agradar e tem certeza de que todo seu conhecimento adquirido não vai ser exatamente útil.

Ou seja, é como a vida.

A vida é estranha

É aqui que entra um dos meus jogos preferidos: Life is Strange. Quando eu pensei nisso tudo, a primeira imagem que me veio à cabeça foi do segundo capítulo de Before the Storm, “Brave New World”. Na cena, Chloe Price está à beira do palco, vestida de Ariel e sendo pressionada pelo diretor a entrar quando Rachel, de Prospero, fala a sua deixa.

Esse não é o plot device mais original que já vimos em filmes ou jogos. Explicar o que o personagem está sentindo através de sonhos, delírios, visões, fantasma do Mestre Yoda, são saídas comuns para projetar em tela todos os conflitos que não podemos ver dentro das outras pessoas.

Mas vamos deixar isso de lado um pouco. Em resumo, a cena entre Chloe e Rachel usa personagens da peça “The Tempest” de Shakespeare para pontuar a relação das duas até aquele momento.

De um lado, temos uma pessoa com a “vida perfeita” que nunca a satisfez. Do outro, uma pessoa com a vida caindo em pedaços, buscando qualquer apoio no qual se segurar — nem que seja arame farpado.

Pode acreditar, você provavelmente vai se encontrar dos dois lados mais de uma vez na vida e (muito mais provavelmente) não vai se sentir feliz em nenhum deles. A peça nunca termina, o final nunca é satisfatório.

Tá, isso foi muito negativo. Deixa eu formular melhor.

Tempestade no copo de todo mundo

Em um ponto da peça, a Rachel sai do roteiro e admite que está usando a amiga para encontrar algum equilíbrio na sua vida. Chloe aceita esse fato por que ela simplesmente não consegue mais suportar o que está passando sozinha.

Nessa hora, os holofotes estão muito fortes e elas não conseguem mais ver a plateia. As duas, com figurino e cenário, estão pela primeira vez sendo elas mesmas, sem julgamento, sem restrições.

Deve ser por isso que eu considero essa cena a minha preferida em Life is Strange: eu me vejo nela, mais do que gostaria.

Quando estou em uma roda de pessoas, prefiro falar o mínimo possível para não me comprometer. Estudo cada movimento. Minha cabeça está o tempo todo funcionando como uma escolha de diálogo em LiS.

E eu sei que é assim com quase todo mundo, mas por que então tanto ensaio, tanto faz de conta? Por que precisamos usar a voz dos outros (no caso de Shakespeare) para dar dicas de como realmente nos sentimos?

Life is Strange evoca exatamente esse sentimento em mim, de que estamos todos procurando um lugar em que nos encaixamos, o figurino que nos cabe, sendo que tudo que nós queremos é simplesmente ser.

Quem dera fosse tão fácil quanto Prospero faz parecer:

“Meus encantos eu quebrarei, seus sentidos eu restaurarei, e eles hão de ser eles mesmos”.

Infelizmente, mágica não existe — nem para controlar o tempo, nem para controlar o que os outros pensam de nós. Enquanto nossa cultura foca muito no que parecemos, é quase impossível manter contato com o que somos.

Rachel e Chloe são punidas o tempo todo por buscarem isso. Chloe, principalmente, tem que conviver com essa busca ao longo de 8 episódios, duas amizades instáveis e um padastro abusivo.

É importante que jogos explorem isso cada vez mais. Você dificilmente vai se encontrar em uma situação que tenha que arcar com a consequência de matar 127 mil nazistas em um futuro alternativo (pelo menos eu espero que não!), mas com certeza vai encontrar uma pessoa que dê sentido no furacão que a vida se torna de vez em quando.

Mesmo que seja com um cliché, mesmo que beire o brega ou o caricato em alguns momentos, eu adoro que jogos como Life is Strange sejam cada vez mais comuns. Por ser uma mídia interativa, por te dar o poder da escolha e da iniciativa, subir ao palco por conta própria pode te dar uma noção melhor das consequências desse julgamento — e como essas escolhas afetam a nossa visão sobre nós mesmos.

E se tem algo que eu tirei de toda essa divagação é que todos nós julgamos, todos somos julgados. O problema está nos quesitos que escolhemos para pesar o julgamento.

Pegando emprestada a maravilhosa fala do príncipe Ferdinand: o inferno está vazio e todos os demônios estão aqui. Em cima do palco.



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